A criminilização das ofensas à honra (v.g., difamação) é uma tradição muito antiga em Portugal e que vem dos tempos da monarquia absoluta. Era por aí que a fidalguia mantinha o povo calado e submisso: "Ofende-me...e ponho-te na prisão".
Esta tradição sobreviveu à monarquia constitucional, à I República e ao Estado Novo, e já leva 42 anos em regime democrático. Os fidalgos é que são outros. Já não se definem necessariamente pelo nome de família, mas por terem todos o mesmo empregador - o Estado.
Depois de tantos séculos sujeitos a esta tradição criminal, em que as pessoas têm medo de criticar em público os poderosos, Portugal aparece às vezes, aos olhos de certos observadores, como um país de cobardes.
Esta mansidão da opinião pública portuguesa é perfeitamente compreensível e resulta da tradição. As pessoas têm filhos para criar. Para quê virem a público criticar os poderosos se sabem de antemão aquilo que lhes pode acontecer?
Por isso mesmo, é uma opinião pública que é fraca com os fortes e forte com os fracos. E quando um homem, antes poderoso, cai em desgraça é uma opinião pública implacável, ao ponto da crueldade, como o Eng. José Sócrates tem vindo a testemunhar ao longo dos últimos anos.
Não é assim numa democracia, onde a opinião pública é forte com os fortes (Trump na América é um exemplo). E é precisamente neste sentido que aponta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (cf., aqui, nºs. 4, 6).
Se a tradição portuguesa protege os poderosos, aqueles que trabalham para o Estado - e possuem, portanto, alguma forma de poder -, restringindo a esfera da crítica a que estão sujeitos, e agravando os crimes de ofensas cometidos sobre eles, a jurisprudência do TEDH, pelo contrário, alarga essa esfera e submete-os a uma intensidade crítica que não consente quando exercida em relação ao cidadão comum. E nada disso é crime.
Neste aspecto, como em outros, Portugal não vive em democracia. Vive ao contrário da democracia. .
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