04 outubro 2017

um carácter subversivo

Claro que existe um carácter subversivo ou revolucionário na obra do Joãozinho que tem sido a origem de muitas das suas dificuldades, e que se exprime assim:

Se nunca ninguém se tivesse posto à frente - em primeiro lugar e principalmente, a administração do HSJ - a obra do Joãozinho, no valor de vinte milhões de euros, estaria pronta e paga no prazo da sua execução (dois a três anos). E isto sem o Estado gastar um cêntimo.

As pessoas não deixariam de se interrogar: "Que milagre é esse?".

O Centro Materno-Infantil do Norte, recentemente inaugurado - e que é, por assim dizer, a pediatria do Hospital de S. António - demorou 35 anos a fazer pelo Estado e custou muitos milhões de euros aos contribuintes. E quanto à ala pediátrica do HSJ, já se fala nela há pelo menos vinte anos.

A própria administração do HSJ teve a tutela do projecto Joãozinho durante cinco anos. Quando chegou a altura de transferir para a Associação o montante de fundos angariados durante esse período, transferiu 549 mil euros.  A este ritmo, demoraria 182 anos a angariar os vinte milhões necessários para depois fazer a obra.

Dois meses depois de começar a trabalhar no Joãozinho enviei um e-mail a uma colaboradora do Professor António Ferreira e, se estou recordado, a ele próprio, com a mensagem seguinte: "Pensem já no próximo projecto porque este vai ser muito fácil"

É claro que o argumento do projecto Joãozinho é, talvez, o melhor argumento que se pode ter para um projecto mecenático - crianças doentes. Ninguém deixa de estender a mão a uma obra destas, um hospital para crianças. Por isso, logo depois de estabelecer os primeiros contactos, eu me convenci que seria fácil demais.

Na cultura do Estado e da administração pública, o dinheiro pré-existe à obra. Nada é começado sem o dinheiro estar orçamentado e afectado a esse fim. Ora, aquilo que eu me propunha (e proponho) fazer é pôr a obra à frente do dinheiro, porque com a obra a andar é mais fácil obter dinheiro para a pagar. Ora, isto é um choque para a cultura burocrática do Hospital de S. João.

Existe outro choque. No sector público, todas as obras desta natureza se fazem com dinheiro. Ora, eu proponho-me fazer uma parte da obra com contribuições em espécie, aproveitando a proximidade das numerosas empresas industriais da região Norte. Para uma empresa, sobretudo se está em dificuldades financeiras, é mais fácil contribuir com os seus materiais e os seus produtos do que com dinheiro.

Mas a melhor ideia que tive - genial, na opinião do ex-secretário de Estado Manuel Teixeira, também ele economista - foi a de associar um negócio de massa ao projecto mecenático do Joãozinho. Ter ali um Continente-Joãozinho a espargir permanentemente dinheiro para alimentar a construção de um hospital de crianças é uma ideia que ainda hoje me faz delirar.

Ainda por cima, tornando a obra mecenática  inclusiva, fazendo participar o Estado através de uma contribuição em espécie - a cedência de um pedaço de terreno que não tem utilização útil. Esta não seria uma obra da sociedade civil contra o Estado. O Estado também pode participar.

Finalmente, a questão das construtoras. Quem vai fazer a ala pediátrica do HSJ são as empresas cujos presidentes mais gostaram da obra e mais se ofereceram para dar de variadas maneiras em benefício dela. Sinto uma imensa gratidão pelo presidente da Lucios e pelo presidente e ex-presidente da Somague. Ainda hoje permanecem firmes à espera que eu resolva todos os impedimentos para que as suas empresas se possam lançar de novo ao trabalho. As crianças estão à espera.

É claro que tudo isto é subversivo para a cultura burocrática que prevalece no HSJ e instituições afins, em que o dinheiro cai do céu (Ministério das Finanças), os concursos públicos internacionais chegam a demorar anos, mais as hordas de consultores (técnicos, jurídicos, etc.) que normalmente acompanham uma obra destas e a tornam ainda mais cara.

É uma obra subversiva para a cultura burocrática do HSJ. Mas não para as crianças que lá estão internadas. Porque essas não querem burocracias, querem espontaneidade. A espontaneidade que a saúde dá.




Sem comentários: