07 agosto 2017

Joãozinho

O ano de 2014 foi um dos anos mais marcantes da minha vida talvez porque foi o ano em que eu descobri plenamente Deus. Muito por causa do Joãozinho.

A Associação Joãozinho herdou o espólio do Projecto Joãozinho que desde 2009 vinha sendo desenvolvido pelo HSJ sob a liderança do Professor António Ferreira. Esse espólio incluía o nome, os direitos de imagem, a comissão de honra, os fundos angariados e ainda a cedência dos projectos de arquitectura e de engenharia da nova ala pediátrica.

Joãozinho, diminutivo de João - o patrono da cidade do Porto e do seu maior hospital - refere-se às crianças internadas no Hospital de S. João, embora, na realidade os serviços de pediatria recebam também adolescentes até aos 18 anos. É talvez por isso que a imagem do Joãozinho é a imagem de um adolescente - um tanto mal-amanhado, é justo reconhecer.

Existe, porém, outra versão para a origem do nome e que é mais comovente.

O Hospital de S. João é gémeo do Hospital de S. Maria, em Lisboa. Trata-se de um projecto de arquitectura alemão dos anos trinta, do tempo do nazismo. Existem ainda actualmente no mundo sete  hospitais destes. Com o atraso que é natural em quem imita, os dois exemplares portugueses foram construídos nos finais da década de 50.

Várias secções do Hospital de S. João estão hoje obsoletas e degradadas, embora outras tenham sido entretanto renovadas. Às partes degradadas dos pisos inferiores, quando lá vou, eu costumo chamar as catacumbas.

A história é, portanto, do tempo das catacumbas em que os serviços de pediatria do Hospital funcionavam no edifício principal. Entretanto, houve um upgrade, as crianças passaram a estar internadas no barracão, que é assim que eu chamo às actuais intalações feitas de contentores metálicos.

Segundo o relato, um médico pediatra, depois de todos os esforços possíveis e imagináveis, não conseguiu segurar a vida de uma criança de dois ou três anos, que lhe morreu nos braços. Era um rapaz e devia ser um menino encantador. Chamava-se João.

Terá sido nesse momento de impotência e dor, talvez também algumas lágrimas,  que ele proclamou a quem o quis ouvir que o novo hospital pediátrico (*) que um dia se viesse a construir no S. João teria de ter um nome que lembrasse esta criança.

A história tem muito significado para mim porque quatro meses depois de eu ter começado a trabalhar na obra do Joãozinho, num daqueles imprevisíveis acasos, a vontade de Deus deu-me outro Joãozinho. E também  no Hospital de S. João.

Em meados de Maio nasceu lá o meu quarto neto, o segundo rapaz. Os pais decidiram pôr-lhe o nome dos dois avôs, João pelo lado materno, Pedro pelo lado paterno. Chama-se João Pedro, mas todos lhe chamam Joãozinho.

Passei a ter dois. E este também tem um significado especial.

Na altura em que escrevo, o Joãozinho, agora com três anos, está a passar uns dias de férias com os avós paternos na companhia dos irmãos mais velhos, Francisca e Tiago.

Na última Primavera decidi fazer uma peregrinação a Santiago de Compostela. O nome da cidade celebra o apóstolo Tiago, o Maior, que terá pregado a mensagem cristã na Galiza e no norte de Portugal e por lá terá morrido.

Ao longo de oito dias, sozinho, pelos Caminhos de Santiago tive muito tempo para meditar e descobrir acasos. Um dos primeiros foi que estava a fazer aquela caminhada por obra de um homem que deu o nome a um dos meus netos.

Um outro acaso foi ainda mais significativo. Tenho apenas dois netos rapazes, Tiago e João. Quando estou com eles, não é apenas o avô que se reúne com os netos, reúnem-se Pedro, Tiago e João, que eram os apóstolos preferidos de Cristo - aqueles que ele convocava para as missões especiais (p. ex., Mateus: 17)

Aparentemente, terá decidido convocá-los outras vez. Agora, como então, Pedro é o mais velho de todos e o chefe; agora, como então, Tiago é irmão de João; agora, como então, João é o mais novo dos irmãos.

Será que, agora como então, juntos ou separados,  ele tem uma missão especial para eles?

Para o mais velho tem de certeza. E ele vai cumpri-la, com o monólogo do jesuíta sempre no espírito:

-A obra é boa e agrada a Deus...
-E se alguém se meter no caminho?...
-Vai ter de sair...
-Sair como?...
-A bem...
-E se não sair a bem?...
-Sai a mal.


(*) Já então se falava dele, no tempo das catacumbas.

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