11 julho 2017

Receios (IV): honra e liberdade

Veja o que Lutero e todos os reformadores a partir do início do século XVI disseram em público acerca do Papa, dos membros da Igreja e, finalmente, de todos os católicos, e terá o primeiro sabor do que mais tarde viria a ser a cultura da democracia-liberal. Uma cultura pública e centrada no mal (ou, se quiser, na crítica).

Em breve as mesmas críticas eram dirigidas aos reis absolutos da Europa e às suas cortes: nepotismo, abusos de poder, conflitos de interesses, mentiras, corrupção, etc. E não passou muito tempo até que o povo, através dos seus representantes, substituísse os reis e as suas cortes - e os substituísse da mesma maneira que o protestantismo, onde triunfou, tinha substituído o catolicismo: dividido em seitas (partidos), apontando os males dos governantes e fazendo-o em público.

Tinha nascido o regime da democracia liberal nos países protestantes do norte da Europa.

Em Portugal, onde as ideias protestantes nunca vingaram, ficaria para mais tarde, e só agora esse conflito de culturas se revela no nosso país através de alguns aspectos marcantes, e que há muito foram resolvidos nos países do norte da Europa.

Um deles é o seguinte. Se eu julgo que  um homem público é corrupto - ainda que seja o Rei ou o Presidente da República - posso ou não dizer em público que ele é corrupto?

A cultura tradicional (católica) responde assim: Podes. Mas prepara-te. Se ele se queixa, tu vais ter de provar em tribunal, tim-tim por tim-tim, por que é que ele é corrupto. Porque, se não conseguires provar serás acusado de um crime contra a honra.

A cultura moderna (protestante), e da democracia liberal, responde assim: Podes dizer à vontade, e nem sequer tens de provar nada.  Se ele não quer sujeitar-se ao que cada cidadão pensa acerca dele, que não ocupe o lugar público que ocupa.

Por outras palavras, tratando-se de figuras públicas, e em linguagem jurídica, surge aqui um conflito de direitos que tem de ser resolvido, e que é o seguinte:

Prevalece o direito à liberdade de expressão ou o direito à honra?

A cultura moderna, da democracia-liberal e origem protestante, responde sem hesitação: Prevalece o direito à liberdade de expressão.

A cultura católica, tradicional, vigente "no tempo do fascismo" em Portugal, responde de forma diferente: Prevalece o direito à honra e só prevalecerá o direito à liberdade de expressão se te exprimires com verdade (isto é, se provares que o homem é, de facto, corrupto). Caso contrário, é crime.

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