29 março 2017

Oh Nené...

Eu imagino o filósofo alemão Immanuel Kant a escrever aquela sua obra e a ter uma mulher (que, na realidade, nunca teve), Imagino-os depois a caminharem juntos ao fim da tarde em Konisberga. É natural que ele falasse sobre o que estava a escrever e, ela, nos tempos livres, fosse dando uma leitura aos textos dele.

O que eu estou certo também é que numa dessas caminhadas, quando ele perguntasse o que ela achava da "obra",  um dia ela lhe responderia:

-Oh Nené...mas se nem eu compreendo aquilo que tu andas para aí a escrever ... como é que queres que as outras pessoas compreendam?...

Imagino também o Rosseau, no mesmo setting, a escrever o seu tratado de educação (Émile). Qual seria a reacção da mulher (que ele teve, mas com quem nunca viveu; e de quem teve cinco filhos, que abandonou) numa dessas caminhadas a dois, em que ele lhe perguntasse o que ela pensava sobre a sua "obra".

-Olha... se sabes tão bem educar crianças... não percebo por que é que não educaste os teus filhos...

Eu, que tenho mulher, tenho sentido na pele a dureza de comentários como estes, que o Descartes, o Kant, o David Hume, o Adam Smith, o Nietzsche e a generalidade dos filósofos modernos nunca sentiram, ou porque não tinham mulher ou porque a relação com as suas mulheres acabou - como não podia deixar de ser - por se tornar uma relação muito distante. Como foi o caso do Marx, que deve ter ouvido como ninguém:

-Andas para aí a pregar contra o capitalismo...e não tens dinheiro para dar de comer aos teus filhos...

-Andas para aí a defender o proletariado...e não pagas à empregada doméstica que tens em casa...  

Até eu, que sou um santinho ao pé do Marx, que sempre arranjei dinheiro para dar de comer aos filhos e pagar à empregada doméstica, não me canso de ouvir comentários destes que são devastadores para o entusiasmo de um homem pela sua "obra" intelectual.

Cada vez que vou à televisão, então, rezo para que a minha mulher não esteja a ver. De uma das últimas vezes não resultou. Ainda entrei em casa a tentar disfarçar a conversa:

-O que é o jantar?...

Mas ela olhou para mim com um ar consternado, encolheu os ombros, e disse-me:

-Casei-me com um homem racional ... e agora estou casada com um místico...

5 comentários:

Rui Alves disse...

Ainda entrei em casa a tentar disfarçar a conversa

Eheheh!
Como se as mulheres não topassem essas tácticas à distância. :)

Ricciardi disse...

Isto faz me lembrar a mulher do meu jardineiro quando passa para inspeccionar o trabalho do marido, que é um bocado borracholas, e diz-me assim nestes modos:
- oh menino, kant é que ele bebeu hoje?
.
Rb

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Euro2cent disse...

E para cobrir esses casos de solteirões, há o dichotado "no man is a hero to his valet".

(Dantes um cavalheiro que soubesse escrever os seu pensamentos teria decerto um criado. Hoje é a anarquia, e há quem use o f*c*book para estar ao corrente do que fazem e pensam - por assim dizer - os criados sem patrão visível.)

Pedro Sá disse...

Por essa ordem de ideias está bem tramado quem é da física teórica p.ex.