22 janeiro 2017

a mãe dos sete filhos

297 A fé na criação a partir "do nada" é atestada na Escritura como uma verdade cheia de promessa e de esperança. Assim a mãe dos sete filhos os encoraja ao martírio:
Não sei como é que viestes a aparecer no meu seio, nem fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem também fui eu que dispus organicamente os elementos de cada um de vós. Por conseguinte, foi o Criador do mundo que formou o homem em seu nascimento e deu origem a todas as coisas, quem vos retribuirá, na sua misericórdia, o espírito e a vida, uma vez que agora fazeis pouco caso de vós mesmos, por amor às leis dele... Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma (2Mc 7,22-23.28).
(Catecismo da Igreja Católica)

Esta mãe tem um problema  intelectual semelhante ao de Hayek,  que tenho vindo a citar em baixo no livro (The Fatal Conceit - The Error of Socialism, 1988) que resume o seu pensamento e as suas interrogações de uma vida. 

Ele conclui que certas tradições (v.g., livre iniciativa, veracidade, contrato) são favoráveis ao bem-comum (ele nunca utiliza esta expressão, mas fala antes em sobrevivência e na prosperidade da espécie). Ele reconhece que foi a religião que guardou estas tradições. Mas nunca chega a saber quem criou estas tradições, e com que fins elas foram criadas. Sendo um agnóstico, remete o assunto para os teólogos.

O problema da mãe é o seguinte. Ela não sabe fazer órgãos humanos (rins, fígados, cérebros, etc.), e muito menos dispô-los ordenadamente num corpo humano. E, não obstante, teve sete filhos (1).

À questão: "Então quem os fez?", ela tem uma resposta pronta: Deus.

Hayek, sendo agnóstico, recursar-se-ia a dar a mesma resposta, na realidade, recursar-se-ia a dar qualquer resposta, dizendo que a questão está fora do âmbito da ciência (ou da razão científica).

É curioso que para a ciência haja certas questões que não são respondíveis pela razão. É a  concepção kantiana da razão segundo a qual temas como Deus e a imortalidade da alma estão fora do âmbito da razão e, portanto, da discussão racional.

Esta concepção pacificou, talvez, os conflitos religiosos do seu tempo retirando do espaço público a discussão sobre Deus e a religião. Mas amputou a razão. Passaram a existir certos temas sobre os quais é vedado discutir no espaço público - Deus, notavelmente. E um cientista que introduza Deus nas suas respostas deixa de ter o estatuto de cientista.

Agora a questão pertinente: a resposta daquela mãe - Deus - é uma resposta racional?


(1) Eu próprio popularizei a questão (e a resposta) da mãe dos sete filhos num comentário televisivo pondo ênfase no mais íntimo de todos os órgãos humanos. Afirmei que a minha mãe não sabia fazer pénis e, no entanto, fez quatro. E, então, vaginas é que ela não sabia fazer de certeza. Ela tinha um desgosto tal de não ter uma filha que, se soubesse fazer vaginas, tinha feito uma de certeza.
O gáudio da populaça intelectual foi imenso (v.g., aqui). E o meu divertimento também. Eles foram educados nas Faculdades para viverem com uma razão amputada, e julgam que são muito modernos por isso. Na realidade, são uns deficientes, uma espécie de manetas do espírito.

2 comentários:

zazie disse...

Razão amputada está muito certo.

Foi mais ou menos isso que o Ratzinger disse quando explicou que antes da noção de Razão iluminista- a que se restringe à comprovação experimental da Ciência, já havia uma noção muito mais ampla- o Logos dos filósofos gregos que também foi adoptado pelos primeiros teóricos cristãos.

Filosofia para totós disse...

Ò Arroja, discutir Filosofia ou Kant a partir das opiniões desse tal Hayek (guru dos neoliberais) só pode conduzir à asneirada. Kant nunca disse que Deus e a imortalidade são questões fora do domínio da razão, pois é falso que para ele a razão se reduza ao pensamento científico. Tanto Deus como a imortalidade são dois postulados da razão prática, que como a expressão indica é também razão. E quem não percebe isto é natural que fique preso às concepções metafísicas medievais e que pense que Deus é uma questão que se resolve através de argumentos racionais(ontológicos, cosmológicos ou teleológicos) que provariam a sua existência. A Filosofia não acaba (nem começa) na Idade Média. Depois dessa época muita água correu por debaixo da ponte, deus morreu, e toda a ontoteologia foi desconstruída. E esse tal de Hayek não tem qualquer relevância no desenrolar da História da Filosofia...