03 março 2016

adolescentes

O protestantismo que deu origem à modernidade é uma teologia e uma filosofia de adolescentes - uma cultura de adolescentes. É mais radical na versão luterana (germânica, socialista) do que na versão calvinista (anglo-saxónica, liberal).

É uma revolta de filhos  adolescentes em relação ao pai (Papa) e à mãe (Igreja), em tudo semelhante à reacção que nós tivemos em relação aos nossos pais, ou que os nossos filhos adolescentes tiveram em relação a nós.

É na adolescência que um jovem, pela primeira vez, sente autonomia em relação aos pais - o seu primeiro sabor da liberdade - e que pode viver independentemente dos pais. E revolta-se contra eles, sem se dar conta que ele nunca teria chegado a essa fase de autonomia e liberdade sem ser pelos cuidados decisivos dos pais.

É também a fase crítica da formação da personalidade e a personalidade de um ser humano forma-se, em larga medida, por oposição, demarcação, diferenciação em relação às pessoas que o rodeiam. Ora, as duas pessoas mais próximas são precisamente o pai e a mãe.

Para os pais, a adolescência é a fase mais difícil de educação de um filho (e, no caso de uma filha, as dificuldades são ainda maiores). É a fase do conflito e da discussão entre pais e filhos, agora que pela  primeira vez o filho ganhou sentido crítico e de autonomia.

O que é que caracteriza a discussão entre um pai e o seu filho adolescente?

A principal característica é que o filho adolescente fala com base na razão apriorística, ele emite opiniões sobre a vida e o  mundo sem ainda ter vivido, ele sabe como se deve viver sem ainda ter saído de casa. O Kant é, provavelmente, o filósofo mais representativo da modernidade e também aquele que mais se aproxima desta figura de adolescente.

O pai, pelo contrário, fala com base na experiência. Ele é um realista. O filho é um idealista. O pai contraria o filho porque ele próprio já foi adolescente e sabe por experiência vivida que certos sonhos da adolescência não passam disso mesmo - sonhos - que a realidade nunca acabará por validar.

Chega o momento em que a discussão se torna impossível porque um e outro estão a pensar em mundos distintos, um pensa num mundo de ideias, outro num mundo de realidades. Há certas convicções que o pai não vai conseguir passar ao filho para o convencer. O filho vai precisar de viver para saber que é assim.

O clima de opinião que se vive actualmente em Portugal é isto mesmo. É a gaiatada do Bloco de Esquerda e de outros partidos à esquerda  - agora que se sentem no poder - a desafiar os mais velhos. É esta também a natureza do confronto original entre o protestantismo e a Igreja Católica - os mais novos a desafiarem e a agredirem os mais velhos.

É um confronto de gerações, e a questão da eutanásia não é indiferente a este confronto.

Como devem os mais velhos reagir? Como é que um pai lida com um filho adolescente e rebelde? E quem deve governar a comunidade - uma família, uma nação, o mundo -,  os mais novos ou os mais velhos?

11 comentários:

Ricciardi disse...

A melhor coisa que a humanidade tem, e que faz evoluir, é o idealismo da mocidade.
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Aquilo que deu errado para o meu pai, deu certo para mim. Os mais velhos arriscam pouco. Deve ser por isso que as maiores inovacoes cientificas e mesmo o empreededorismo se faz cedo na vida. Demasiado tarde ficamos com medos alicercados na nossa experiencia.
Os pais aconselham os mais novos na base da própria experiência. A dele, sublinhe-se.
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Eu tenho dito isto mesmo à minha filha que tem 19 anos. Aquilo q deu certo ou errado para mim não quer dizer que tenha o mesmo desenlace contigo. Segue o teu próprio instinto. Se bateres com a cabeça na parede, volta ao ponto inicial e tenta outra vez. Olha para a frente, com o queixo para cima e sabe que muitas cabeçadas podem ser necessárias dar na parede.
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Rb

Anónimo disse...

Bem, se o protestantismo é uma teologia e cultura de adolescentes e o Kant é o filósofo adolescente por excelência, porque defendem a autonomia em relação ao Papa e à Igreja, o que dizer do catolicismo e dos filósofos católicos (como Agostinho e Tomás) que apareceram antes e que defendem uma cultura e teologia de submissão ao Papa e à Igreja e às suas regras? Logica e analogicamente dir-se-ia que não passam de filosofias e de filósofos com uma mentalidade infantil e próprias de quem não consegue agir nem pensar sem a ajuda e indicações dos pais.
E, levando esta teoria e analogia ainda mais longe, dir-se-ia que como a idade adulta só começa quando os filhos se libertam de facto dos pais/Deus (o que não se verifica nem com os adolescentes nem com as crianças, nem com o Kant ou com o Tomás) e se tornam eles mesmos em pais/deuses, então é nas filosofias ateístas e com a morte de Deus que se pode dizer que os homens atingiram a maioridade e a verdadeira independência.

Rui Alves disse...

Impossível ler o post sem recordar esta canção

Ricciardi disse...

Bom, sendo a origem do cristianismo uma seita que pretendeu contestar a autoridade do pai (judaísmo), constacta-se que a adolescência cristã superou o pai. Superou e aperfeiçou o judaísmo trazendo uma dimensão nova que até então inexistia.
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Cristo (um jovem) e o Seu mandamento novo é perfeitamente libertador dos conceitos dum Deus autocrático judaico (velho). 'Amai-vos, oh humanos' em contraponto com 'obdecei-Me oh humanos' porque aqui o Paizinho é que sabe.
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É a dimensao nova da liberdade e responsabilidade individual. Amai-vos e não receais (modus cristão). Ou será receai e obedecei (modus judaico)?
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Rb

Harry Lime disse...

O protestantismo que deu origem à modernidade é uma teologia e uma filosofia de adolescentes - uma cultura de adolescentes. É mais radical na versão luterana (germânica, socialista) do que na versão calvinista (anglo-saxónica, liberal).

Ah, sim, explica lá?

(eu li o post à espera que o PA explicasse esta afirmação mas ele não o faz: limita-se a enuncia-la como se fosse uma Lei Absoluta do Universo.. são assim os intlectuais de esquerda...)

Rui Silva

zazie disse...

Gaiatada completa com o lado caricato de haver homens feitos a darem crédita a garinas que só dizem disparates.

Há uns anos dizia-se assim: cresce e aparece.

Harry Lime disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Harry Lime disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Harry Lime disse...

Gaiatada completa com o lado caricato de haver homens feitos a darem crédita a garinas que só dizem disparates.

Há uns anos dizia-se assim: cresce e aparece.

Concordo inteiramente mas continuo à espera que o PA explique ao povo porque é que o protestantismo é jovem e porque é que o protestantismo anglo-saxonico é mais adolescente que o alemão.

Tanta sabedoria e tão pouca vontade de a explicar ao Mundo.

E a explicação freudiana está um bocado batida. não a aceito. Ou então o PA não passa de mais um argumentista de telenovela mascarado de intelectual de esquerda.

Análises do estilo "quer matar o pai e ir para a cama com a mãe" já têm barbas. Foram alias criadas por um famoso dramaturgo protestante (de inspiração alemã? Ou anglo-saxonica ?). Chamava-se Sofocles...

Rui Silva

Euro2cent disse...

> a explicação freudiana está um bocado batida

Acho que a companhia de seguros declarou a perda total, e foi para a sucata ;-)

Muito bem, para vosso entretenimento, e absolutamente de graça, tal como os nossos graciosos anfitriões, têm aqui uma explicação diferente, que poderão fumar nos vossos cachimbos se vos aprouver.

(Preliminar: costumo usar a Roma de há 2 milénios como referência, do mesmo modo que os ilustradores anatómicos usam traços de lápis - a simplicidade elucida melhor do que o detalhe fotográfico.)

Portanto, consideremos uma república onde a aristocracia tomou o freio nos dentes, derrubando reis/tiranos que dependessem de apoio popular. Umas centenas de famílias formam um senado, e passam leis que usam para resolver sem violência a natural luta pelo poder. Unidos e militarmente disciplinados, formam um Estado 'turbinado' que em escassos três ou quatro séculos passa de um cidadezinha remota ao domínio da bacia mediterrânica.

O enriquecimento traz problemas, e alguns aristocratas têm menos dinheiro do que outros, o que os afasta do poder - ganhar eleições na república custa dinheiro. É assim que alguns deles se viram para uma alternativa a crédito: fazer promessas às massas recenseadas do 'capite censi' (também chamados 'proletarii' por a prole ser a única coisa que tinham).

E é assim que temos um partido conservador (optimates) e um partido socialista (populares), em que os segundos querem usar a propriedade dos primeiros para pagar a conta da tomada do poder. Os camaradas Grachii prejudicaram-se, o camarada Gaius Marius falhou, mas o camarada Caius Julius sentou o rabo no trono por uns anos.

(Absolutamente zero adolescentes envolvidos no processo, note-se, 'pater familias' crescidinhos com autoridade absoluta, blah, blah. Para essa não havia tiranicídio.)

[Cenas dos proximos capítulos: hoje em dia os que-seriam-expropriados expropriam eles próprios as ideias dos expropriadores, e agora são o expoente máximo do avanço histórico em todas as frentes que - chiu, "be vewy, vewy quiet" - não lhes afectem a propriedade. "É o delírio nas bancadas, senhores tele-espectadores."]

Anónimo disse...

Pedro Arroja. É bom que haja muito disparate numa caixa de comentários. Mostra a valia das gentes. Mostra a qualidade deste povo ignorante e que "deve ser como a outra": «tem dois neurónios que não se falam».
Zazie está no seu melhor desde o início do ano.

Abraço