04 março 2016

acabar com eles

Unless I am convinced by Scripture and plain reason - I do not accept the authority of the popes and councils, for they have contradicted each other - my conscience is captive to the Word of God. I cannot and I will not recant anything for to go against conscience is neither right nor safe. God help me. Amen."

(Lutero, citado aqui)

Este é o momento decisivo, na Dieta de Worms,  que desencadeia a Reforma religiosa. Lutero, um padre católico, deixa de obedecer ao Papa (faltando à promessa que fez na sua ordenação) e passa a obedecer à sua consciência. Segundo ele, a palavra de Deus não está no Papa, que interpreta a Tradição da Igreja, mas está nele próprio, na sua consciência.

Daqui resulta a rejeição protestante da Tradição como fonte da Revelação. Deus está somente nas Escrituras ("Sola Scriptura") e manifesta-se na consciência de cada um.

A Tradição é o passado, a experiência histórica da humanidade destilada do mal, e é a Igreja que a guarda. A rejeição da Tradição é a rejeição da experiência. Ora, a experiência é um atributo principalmente dos velhos, e o próprio Papa é sempre um velho. Quem, como Lutero, rejeita a Tradição aquilo que não quer ter por perto são velhos, porque os velhos são as pessoas mais propensas e competentes para invocar a experiência.

Lutero só se deixa convencer pelas Escrituras e pela razão (plain reason). A experiência está omissa. Descartes vai pegar no argumento da razão para fazer o seu célebre exercício intelectual "Cogito ergo sum", penso, logo existo.

Como será a vida sem passado ou experiência ou tradição -  interroga-se Descartes -, como será a vida se for um puro produto do pensamento (isto é, do intelecto)? Descartes advertiu os seus leitores que estava a fazer um mero exercício intelectual, que não devia ser seguido na prática.  Mas o comboio já estava em marcha e ninguém o conseguiu mais parar.

 David Hume e Kant, principalmente estes dois, fizeram o resto da viagem, Hume na direcção liberal partindo da influência calvinista da sua nativa Escócia, Kant na direcção socialista prosseguindo a influência luterana da sua nativa Prússia.

Ora, uma vida que eu posso criar de novo por argumento intelectual, e à revelia de todo o passado e de toda a experiência, é uma vida que dispensa os velhos. Só necessita de mim e daqueles que pensam da mesma maneira que eu. Para mim e para o meu grupo de compinchas o grupo social mais chato é o dos velhos, que estão sempre  a falar do passado e da experiência,  que é precisamente aquilo de que nós  não queremos ouvir falar.

Que tal acabar com eles?

21 comentários:

Harry Lime disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Harry Lime disse...

Lutero só se deixa convencer pelas Escrituras e pela razão (plain reason). A experiência está omissa. Descartes vai pegar no argumento da razão para fazer o seu célebre exercício intelectual "Cogito ergo sum", penso, logo existo.

A minha pergunta é simples: e confiar apenas na experiência é boa politica?

Quer dizer se o homem confiasse apenas na experiencia ainda andariamos aqui a pensar que o Sol rodava à volta da Terra (isso é o que a experiencia nos diz todos os dias)

Já para não falar que o PA parte dum principio que me parece dubio: o de que a Igreja e o Papa falam em nome da experiência.

Não falam. O Papa e a Igreja falam em nome do Papa e da Igreja e da sua visão do Mundo. Ou seja falam da experiencia tal como filtrada pela sua doutrina e pelos seus interesses, tal como o comum dos mortais (e não há mal nenhum nisto :-) )

Agora eu acredito que esta visão do Mundo satisfaça o PA , como "católico"* que é. Mas o que levará o PA a achar que se adequa a toda a humanidade é um mistério que me escapa.

Rui Silva

PS- E já agora o PA, por mais que esperneie, não é católico, Eu conheço muitos e sei que o PA não é um deles. O PA é um protestante que, por acaso, está de acordo com a Igreja:

PPPS - A única diferença entre o PA e um protestante é que. além da razão e da Biblia, também aceita as leis da Igreja... mas apenas porque concordou com elas depois de as analisa. "Fazem sentido". Mais uma vez o uso da plain reason> em acção, tal como recomendada por Martinho Lutero.

Harry Lime disse...

Kant na direcção socialista prosseguindo a influência luterana da sua nativa Prússia

O Kant, socialista?

Expliquem lá isto.

E esta associação da Prussia e do luteranismo ao socialismo é bizarra... Vai na volta e ainda vamos ouvir o PA dizer que o Bach era um compositor profundamente comuna por ter vivdo na "Prussia", um conceito, como todos sabemos, de geometria muito variável...


Estas da plain reason do PA fazem-me lembrar a famosa agua forte do Goya: "Os sonhos da Razão Produzem Monstros" excepto que neste caso é "Os Sonhos da Razã Produzem Disparates".

Goya que , à luz do pensamento do PA, seria profudamente catolico... contra todas as evidências da "experiencia" :-) :-)

Rui Silva

zazie disse...

Quais evidências?

Ricciardi disse...

O PA está a inverter o percurso que até aqui trilhara. Agora está a fazer pugilismo com os protestantes.
.
Gostava mais quando ele defendia que os países de tradicao catolica erram ao importar tradições protestantes. E até discorria bem nas diferenças do individualismo e personalismo.
.
Agora, virou-se para a comparação bruta e neste capítulo um extraterrestre que aparecesse agora na terra iria preferir o protestantismo porque da análise aos respectivos países resulta mais prosperidade e desenvolvimento.
.
Rb

Ricciardi disse...

Regresse lá à ideia de que é pernicioso para os países de tradição católica importar ideias do protestantismo. Não por serem más para eles, mas porque são inadequadas à nossa cultura e tradição.
.
Rb

Ricciardi disse...

Caso contrário não chega a verdade alguma. A verdade não está no número que o sapato tem, mas sim se o sapato nos cabe ou não no pé.
.
Rb

Harry Lime disse...


Quais evidências?

Estas:

http://goya.unizar.es/InfoGoya/Work/CrClero3.html

As criticas do Goya não são, na sua essencia, muito diferentes das de qualquer luterano: são uma crítica à Igreja e aos seus vicios, não à Fé...

Seguindo a forma de pensar do PA, o Goya, como espanhol, não pode ser senão católico... no entanto, a experiencia de olhar para a obra do Goya, mostra-nos que ele será, na melhor das hipoteses, um "protestante".

E sim, eu sei que ele não era "revolucionário". As criticas dele dirijiam-se tanto ao radicalismo revolucionário (cujas verdeiras intenções ele topou a milhas!) como ao reaccionarismo absolutista ligado ao tradcionalismo católico. Ambos "sonhos da razão".

Porque tanto o esquerdismo revolucionário como o catolicismo intelctualizado de pessoas como o PA vêm do mesmo sitio: uma abstração usando plain reason esquecendo o valor da experiência e da observação do Mundo e das pessoas.

Rui Silva

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

Passo esta conversa apalermada.

Já tive este debate há séculos com o PA não vou perder mais tempo com isto.

marina disse...

Goya era anticlerical , como muitos e muitos espanhóis . mas era católico , como muitos e muitos espanhóis anticlericais. o que é que tem denunciar vícios secretos dos padrecas com protestantismo?

Harry Lime disse...

No fundo é a diferença entre os que baseiam a sua visão no Mundo no que lêm nos livros e os que baseiam a sua visão do Mundo na observação e interpretação do Mundo.

E não interessa o livro em que os intelctuais baseiam a sua visão do Mundo: (pode ser o Capital, pode ser a Biblia, pode ser o Corão, podem mesmo ser as Encilicas). Não interessa: os livros vão-nos sempre dar uma aproximação grosseis, na melhor das hipoteses. Esta aproximação terá sempre de ser refinada pela observação da realidade (a experiencia).

O contrário também é verdadeiro: a experiencia tem sempre de ser completada com os livros.

E mesmo assim havemos de andar todos aos papeis. E é por isso que estas postas do PA me parecem algo disparatadas: é que ele tira conclusões totais e absolutas baseado em pouco mais que "sound bytes" (a "luta de classes" do Marx não passa dum sounbyte quando usado pelo PA) manipulados como lhe convem.

(aposto que a critica do PA ao Kant, cujo pensamento eu conheço muito muito mal, se baseia em pouco mais do que o titulo dos seus livros :-) )

Rui Silva

zazie disse...

Isto resumia-se mais ou menos na diferença entre sentido de commitment" e "caridade".

Resta é saber de onde vem todo este mundo-às-avessas.

Para isso não é pela filosofia, era mais simples por jornalismo.

Agora que ele está aí, está. E é impossível dizer que foi inventado e propagado a partir do Sul da Europa.

zazie disse...

Não tem nada; o Goya não poupou nada de nada ao cimo da terra mas foi sempre reeleito no cargo, por muito que tenha mudado quem esteve no Poder.

Não há aqui qualquer treta católica versus prot mas pode haver no sentido de responder primeiro perante a consciência e a interpretação da Bíblia ou o inverso- seguir a tradição da prédica e do Papa.

zazie disse...

Quando o Kant aplica a lógica de uma Razão newtoniana de prova científica a tudo para ser verdade, está a fazer asneira. O resto deriva disso.

Harry Lime disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...

file:///C:/Users/zaz/Downloads/1806-6592-2-PB.pdf

Harry Lime disse...

Não tem nada; o Goya não poupou nada de nada ao cimo da terra mas foi sempre reeleito no cargo, por muito que tenha mudado quem esteve no Poder.

Bem... é sempre bom ter clientes poderosos :-)

Eu apaixonei-me pelo Goya há muitos anos quando houve uma exposição das aguas fortes dele no Palacio da Ajuda (o catalogo anad aperdido na confusão que é aminha casa) . Isto apesar de eu só falar naquela que toda a gente conhece :-) :-)

E há um sentido de humanidade nas gravuras dele (no sentido de não ter paciencia para tretas de qualquer especie e ter um certo sentido de humor) de que eu gostei muito. No fundo foi tão simples quanto isso.

E quando leio estas postas do PA começo imediatamente a ter leituras muito altas numa especie de bulshitometro (aldrabiceometro em portugues) que eu associo muito ao Goya.

A Verdade no fundo encontra-se nos Museus e nas Salas de Cinemas :-) :-)

Rui Silva


Harry Lime disse...

Não há aqui qualquer treta católica versus prot mas pode haver no sentido de responder primeiro perante a consciência e a interpretação da Bíblia ou o inverso- seguir a tradição da prédica e do Papa.

Muito bem! Complicar para quê?

Rui Silva

zazie disse...

Sim; o Goya é genial. Acho que é o meu nº 1.

A crítica é de tal modo impiedosa que nem há bons e maus em lados separados. Não poupou nada e nunca andou a fazer passar mensagem propagandista.

Conseguiu um tipo de sátira que me parece ser fruto de um tremendo pessimismo e olhar impiedoso.

Ele próprio mudou perante a realidade. Com as invasões napoleónicas percebeu que o horror é sempre igual. Não há libertação alguma.

Anónimo disse...

«O PA está a inverter o percurso que até aqui trilhara. Agora está a fazer pugilismo com os protestantes».

Afirmação falsa porque PA nunca o escreveu. Ele sempre "malhou" nos protestantes.

Uma boa definição de Igreja é «a presença do divino numa realidade integralmente humana».
Portanto todos (padres também) somos pecadores.