13 fevereiro 2016

O colapso

Os mercados financeiros, desde o início do ano, podem estar a anunciar o colapso do sistema económico e financeiro e das instituições, de uma maneira que é muito semelhante à dos anos 30.

Crise bancária, deflação, falências (incluindo a do Estado Social), desemprego, emigração, colapso do sistema de democracia partidária, confrontos civis. Estes serão alguns dos ingredientes que estarão presentes no colapso que parece avizinhar-se.

No mundo ocidental ou cristão, e dentre as suas três grandes subculturas, qual aquela que resistirá melhor ao colapso financeiro e das instituições?

As subculturas que considero são a latina ou católica (v.g., Portugal, Espanha, Itália, países da América Latina), a germânica ou luterana (v.g., Alemanha, países nórdicos) e a anglo-saxónica ou calvinista (v.g.,EUA, Reino Unido, Canadá). Os países de tradição ortodoxa são assimilados aos católicos. A instituição central dos primeiros é a Família, dos segundos o Estado, dos terceiros o Mercado (ou a Empresa capitalística).

A resposta é: os países que melhor resistirão ao colapso económico e institucional serão os católicos, como Portugal, dada a pessoalidade envolvida na sua instituição principal - a Família. Aqueles que resistirão pior são os germânicos ou luteranos dada a impessoalidade da sua instituição central - o Estado. Os países anglo-saxónicos ou calvinistas ficarão no meio dada a pessoalidade intermédia da sua instituição principal - a Empresa.

Foi assim nos anos 30. A crise de então afectou todo o mundo ocidental, mas o centro conflitual que viria a dar origem à Segunda Guerra Mundial foi a Alemanha.

Os países de tradição católica ou ortodoxa já mostraram que são capazes de viver com taxas de desemprego de 20 ou 30%, e a Grécia até mostrou recentemente que pode viver com os bancos fechados durante  semanas. Qualquer destas circunstâncias num país do norte da Europa pode desencadear uma guerra civil. Ora, como o Joaquim já alertou recentemente, a crise bancária não é só de Portugal, Itália, Espanha ou Grécia. É também da Alemanha e o Deutsche Bank está no olho do furacão.

Antes de prosseguir, uma nota. Os países de tradição católica/ortodoxa exibem o mal em público, e escondem o bem. Pelo contrário, os países de tradição protestante exibem o bem em público e são exímios a esconder o mal.

Uma analogia servirá para clarificar o que pretendo dizer. Em países como Portugal, as pessoas sacodem os tapetes à janela e toda a gente fica a saber que naquelas casas existe pó. Pelo contrário, em países como a Alemanha, as pessoas varrem o pó para debaixo do tapete, e fica-se com a sensação de que não existe pó naquelas casas. Mas a sensação é enganosa. Quando se levantam os tapetes, o pó está todo lá, e acumulado. É o que parece estar a suceder com as revelações recentes em torno do Deutsche Bank e também de alguns bancos americanos (v.g., Goldman Sachs e Citibank).

Em Portugal, numa situação de elevado desemprego e falta de dinheiro, porque os bancos estão fechados, a família e os amigos absorvem os desempregados, recebem-nos de volta em casa, as avós cuidam dos netos, emprestam-lhes dinheiro, havendo. E ninguém deixará de tomar o seu café da manhã na pastelaria habitual, estando os bancos fechados, porque o dono fia-lhe o café até ao dia em que os bancos reabrirem. E quanto mais rural for o meio - e menos urbano - mais fácil se torna sobreviver numa crise assim.

Num país de tradição germânica ou luterana, pelo contrário, onde a pessoalidade é praticamente inexistente, e todos dependem do Estado, nada disto é assim, a família praticamente não existe (mais de 50% das pessoas nestes países vivem sozinhas) e a instituição de "fiar" é desconhecida. Como é que uma pessoa se alimenta se ficar desempregada e o Estado Social falir? Não se alimenta. O clima fica pronto para a guerra civil.

Para além da Família, os países de tradição católica, com a sua vocação universalista, são países de emigração, a qual é um escape adicional às situações sociais de stress extremo (durante a crise dos anos 30, os portugueses emigraram em massa para o Brasil).

Fenómenos de emigração em massa não são conhecidos nos países nórdicos, e são de pequena intensidade nos países anglo-saxónicos. A tradição protestante é uma tradição paroquial - mais a luterana ainda do que a calvinista. Um sueco não sabe viver fora do seu país, e um americano fá-lo com muita dificuldade. Ao contrário, de um português ou de um italiano, que rapidamente exibe a flexibilidade necessária para se adaptar a um novo meio.

No meio de uma grande crise social, os suecos ficam todos na Suécia a culpar-se uns aos outros, e os alemães também, como aconteceu nos anos 30, ao passo que os portugueses voltam as costas e emigram para o Brasil ou para África.

Se a crise por que têm passado nos últimos anos Portugal, a Grécia, a Espanha ou a Itália se estender aos países do norte da Europa e da América - e é isso que os mercados financeiros têm vindo a prenunciar nas últimas semanas - Portugal será um país menos mau para viver (melhor, talvez, só um país da América Latina ou de África). Pelo contrário, será horrível viver na Alemanha, na Suécia, na Noruega, na Finlândia ou na Dinamarca. Também não será bom, embora menos mau que nos anteriores, viver nos EUA ou no Reino Unido.

E, claro, dentro de Portugal, será melhor viver em Freixo de Espada à Cinta do que em Lisboa, quanto mais afastado dos meios urbanos, melhor.

2 comentários:

Henrique Figueiredo disse...

Caro Dr. Pedro Arroja,

Um texto interessante e que me deixou a pensar. No entanto, tenho aqui umas considerações a fazer.

Vejo aqui há dois problemas: 1) O Dr. Pedro Arroja ignora a ultra-dependência das famílias do Estado. Dá o exemplo das avós que emprestam dinheiro aos netos. Ora, se o Estado falir, as avós deixam de ter esse dinheiro garantido na maioria das vezes pela Segurança Social e é provável que o núcleo familiar se ressinta. Os netos terão que ir trabalhar? Mas para onde?

2) No seu cenário, a questão da emigração parece mais complicada do que em épocas anteriores. É preciso haver economia saudáveis do outro lado e neste cenário não há (ou haverá? Em todo o caso, os países da América Latina têm economias ressentidas e uma nova crise mundial abalaria todo o Ocidente). Os portugueses adaptam-se facilmente a países minimamente ocidentalizados (de tradição cristão, digamos assim) mas a será que se adaptariam a outros países (penso que neste caso, as economias mais vibrantes seriam as asiáticas)? Duvido.

Depois, na minha opinião, dá pouco crédito à sociedade anglo-saxónica. Embora, se tenha modificado (estatizou-se um pouco) ainda é a mais flexível das três. As pessoas mudam mais rapidamente de empregos, ou seja adaptam-se melhor à crise. Na minha opinião, seriam (como já demonstraram ser no passado) estes países a enfrentar melhor a crise.

O que acha?

Vivendi disse...

Esqueceu-se de falar na sociedade russa. Sem dúvida alguma a cultura mais bem preparada para o que der e vier.

Por cá vai ser preciso novamente colocar uma elite esclarecida e em comunhão com a nossa tradição.