06 julho 2014

A liberdade está na obediência

Os partidos políticos são instituições agressivas para a cultura católica e, portanto para Portugal. Eles são a emanação laica das seitas protestantes. Como o próprio nome indica eles partem a comunidade, põem as pessoas umas contra as outras, agora organizadas em seitas ou partidos. É neste ponto que eles ferem a cultura portuguesa, que é uma cultura comunitária (católica).

Os partidos políticos são a principal causa da ruina institucional em que Portugal se encontra, no Estado, na economia, na justiça. Mas também na família. Experimente levar a mentalidade partidária para casa ("eu sou bom e tu és mau") e vai ver como dá cabo da sua família em três tempos. A chamada crise da família (taxas records de divórcio, taxas de casamento muito baixas, diminuição drástica da natalidade) que agora se vive em Portugal tem as suas raízes mais profundas na mentalidade partidária que se instalou no país desde há quatro décadas. Os partidos foram feitos para partir comunidades e a comunidade familiar não há-de ser excepção.

Como aconteceu com a primeira grande seita protestante, e luterana, que partiu a comunidade católica, e não tendo depois mais nada para partir se partiu  a ela própria - um destino que viriam a ter todas as seitas protestantes - também agora os partidos políticos, depois de terem partido tudo aquilo que havia para partir em Portugal, estão agora a partir-se a si próprios. As cisões recentes no Bloco de Esquerda, e a fractura agora aberta no PS, não são mais do que as manifestações mais recentes daquilo que os partidos foram feitos para fazer - partir, fracturar. Agora a eles próprios.

A questão a que eu gostaria de responder neste post é, porém, de natureza diferente. Os partidos fracturam a cultura católica, que é uma cultura comunitária (como em Portugal). Por outro lado, uma cultura católica (como a portuguesa), para fazer justiça ao seu nome católico (universal), há-de ter tudo aquilo que existe no mundo, incluindo partidos.

Como é que a cultura católica absorve os partidos? Será possível aos partidos, que ferem a cultura católica, coexistirem com esta cultura, e ser parte dela? E como?

Sim, catolicizando-os.

E em que é que consiste a catolicização, por outras palavras, como é que a cultura católica transforma os partidos, de tal maneira que eles (agora sob outro nome, tendências ou correntes), deixem de ser uma ferida nessa cultura e se transformem em instituições orientadas para o bem comum? Por outras palavras, como é que a cultura católica transforma uma instituição que parte numa outra que une?

Eu nunca vi esta questão posta e muito menos respondida. A minha originalidade, porém,  não está  na resposta, mas na pergunta. A resposta é dada pela Igreja Católica. A Igreja Católica tem protestantismo lá dentro - nem podia deixar de ser para uma Igreja que é universal - tem seguramente as duas maiores denominações do protestantismo - o luteranismo e o calvinismo. São respectivamente, os Jesuítas e o Opus Dei.

Os Jesuítas pensam e agem como os luteranos e são socialistas (o socialismo é a versão laica do luteranismo).  O Opus Dei pensa e age como os calvinistas e é em favor do liberalismo ou do capitalismo (o liberalismo é a versão laica do calvinismo).    Como é que os luteranos e os calvinistas (em versão laica, os socialistas e os liberais) não se podem ver, formando seitas ou partidos, ao passo que os Jesuítas e o Opus Dei convivem pacificamente dentro da mesma comunidade católica?

Antes de responder, uma breve observação histórica. Os Jesuítas têm 500 anos de existência e a sua história dentro da Igreja Católica foi controversa durante muito tempo. Porquê? Porque a sua teologia é largamente luterana e a sua filosofia kantiana (Kant é o filósofo do protestantismo luterano). O Opus Dei é mais recente, tem cerca de oitenta anos, mas a sua curta história dentro da Igreja Católica é  tão  controversa como a dos Jesuítas nos primeiros séculos. E pela mesma razão. A sua teologia é largamente calvinista e os seus filósofos preferidos são os liberais, como Locke, Hume, Adam Smith e mais recentemente Hayek. Os Jesuítas representam o cristianismo protestante do norte da Europa, o Opus Dei o cristianismo protestante da Grã-Bretanha e da América do Norte.  E quem estudar a história do jovem Opus Dei vai verificar que os primeiros sabotadores da instituição, a partir de dentro da Igreja Católica, foram precisamente os Jesuítas. Hoje, fora dela, mas obviamente, são os socialistas.

A desconfiança que existe entre luteranos (centrados no norte da Alemanha e nos países escandinavos) e calvinistas (centrados na Grã-Bretanha e na América do Norte), entre socialistas e liberais, é enorme. Na realidade, a Segunda Guerra Mundial acabou a ser combatida entre eles (Alemanha vs. Inglaterra), estão prontos a tirar-se a liberdade uns aos outros e a matarem-se uns ao outros.

E por que é que os Jesuítas e o Opus Dei não o fazem, por que é que eles, sendo uns luteranos e outros calvinistas, conseguem conviver, apesar das suas enormes diferenças, e a sua indiferença comum pelo catolicismo tradicional, dentro da mesma comunidade, a Igreja Católica?

Qual é o segredo?

A obediência. Ambos prestam um voto de obediência ao Papa. O Papa não deixa que eles se guerreiem, que se aniquilem um ao outro, que um submeta o outro, que um tire a liberdade ao outro. E que qualquer deles tire a liberdade ou aniquile qualquer das correntes do catolicismo tradicional.

A liberdade está na obediência.
(Esta última frase não é minha. Li-a, há uns anos, no Papa Emérito Bento XVI, e foi desde então uma das frases mais intrigantes que eu alguma vez li. Não é mais. Ele tem razão.)

E é assim em qualquer comunidade. A liberdade do irmão mais novo está protegida dos abusos do irmão mais velho porque ambos obedecem à mesma autoridade - o pai.

Estou agora próximo de dar a resposta à questão que me propus. Faço-o por analogia que é a forma de pensar da cultura católica (ao contrário da cultura protestante, que pensa por dialogia). Como é que se catoliciza (ou aportuguesa) um partido político, como é que se transforma uma instituição fracturante e destruidora numa instituição concorrente ao bem comum?

Obrigando quem quer formar um partido político, e todos os que a ele queiram aderir, a prestar um voto de obediência absoluta ao Chefe de Estado.

E o Chefe de Estado pode ser um Presidente da República? Não, não pode. Um Presidente da República é eleito em bases partidárias e portanto não é um árbitro imparcial para mandar calar um partido político que esteja a obstruir a acção de um outro que esteja a fazer bem.

Tem de ser um Rei. Um Rei não é eleito e, por isso, não divide, é imparcial. E, além disso, é ele (e a família real) que transporta a tradição do que é o bem e o mal para essa comunidade. Só um Rei pode desempenhar na esfera civil a função de unidade comunitária que o Papa desempenha na esfera religiosa.


6 comentários:

Euro2cent disse...

Bem observado, mas:

> Sim, catolicizando-os.

Com ou sem armas atómicas?

Anónimo disse...

Que espécie de Rei?
.
Um daqueles à moda antiga,autocrata, ou um daqueles modernos que ficam à espera que os partidos decidam se fazem um referendo ao regime, como em espanha, portanto, um rei que se submete e precisa dos partidos para reinar??
.
Rb

Pedro Sá disse...

Voltas e voltas para o resultado final ser idêntico. (bocejo)

Luís Lavoura disse...

A liberdade está na obediência.

Faz lembrar algumas frases que aparecem no 1984 de George Orwell. "A Guerra é a Paz", etc.

Num livro de José Rodrigues dos Santos, em que ele explica como o mundo é visto pela Al Qaeda, diz que o Islão vê as coisas da mesma forma: só tens que obedecer aos mandamentos de Deus contidos no Corão e, desde que o faças, és perfeitamente livre. É tão simples quanto isto: obedeces a Deus, logo és totalmente livre.

Luís Lavoura disse...

Essa de a Alemanha ser luterana e a Inglaterra ser calvinista parecem-me teses muito esforçadas.
Metade da Alemanha é católica.
A Inglaterra tem uma religião própria que é muito semelhante ao catolicismo, tanto que, ao que parece, agora se aliaram as duas.

Anónimo disse...

Muito bom :)