01 dezembro 2013

Só fala de homens

Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade. (aqui)

Esta é talvez uma das frases mais citadas de sempre, uma das frases de abertura da Declaração de Independência dos EUA (1776), contendo um conjunto de duas proposições que os seus autores consideram "verdades por si mesmo evidentes". Na realidade, não são verdades nenhumas. A primeira é apenas uma meia-verdade, ou uma verdade truncada, em lugar de "que todos os homens são criados iguais", a verdade é "que todos os homens são criados iguais e diferentes", pois se é verdade que todos os homens têm nariz, também é verdade que os narizes são todos diferentes.

Aquilo que se exibe é o valor sobretudo masculino da igualdade - os homens são mais iguais dos que as mulheres - omitindo-se o valor sobretudo feminino da diferença - as mulheres são mais diferentes do que os homens.

Em seguida faz-se a afirmação "sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca de Felicidade". Ora, a verdade é que Deus não conferiu direitos a ninguém, algo que cada um de nós possa reclamar de outrem. Aquilo que Deus nos concedeu foi dádivas,  pelo que a verdade é "sendo-lhes dados pelo seu Criador certos valores inalienáveis entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca de Felicidade".

Em suma, a verdade não é como a Declaração de Independência diz, mas assim:

"Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais e diferentes, sendo-lhes dados pelo seu Criador certos valores inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade".

Contrastando esta versão verdadeira com a versão original da Declaração de Independência, constata-se em primeiro lugar, e como já referi, a omissão do valor predominantemente feminino da diferença entre os seres humanos. E a versão original vê a vida como um Direito, portanto, uma reivindicação, quando na realidade é uma dádiva. O mesmo para a Liberdade  e a busca da Felicidade.

Mas a Vida -  e também a Liberdade e a busca de Felicidade -, é uma dádiva de quem?

Do Criador, como os autores da Declaração de Independência fazem justamente notar, mas que é transmitida através da comunidade. A vida de cada um de nós é-nos dada, em primeiro lugar, por uma comunidade de um homem e uma mulher, mas também por muitas outras pessoas que a suportaram,  a ampararam  e encorajaram de diversas maneiras e fizeram de cada um de nós aquilo que cada um de nós é hoje.

O mesmo para a Liberdade  e a busca de Felicidade. Eu não saberia hoje o que é a Liberdade, e menos ainda a Felicidade, se não fosse a comunidade onde nasci, cresci e vivi e que me transmitiu esses valores e me disse em que é que eles consistiam. Não fui eu que os inventei e, por mim próprio, eu nunca seria capaz de os inventar. Foram-me dados, já existiam na comunidade onde eu nasci muito antes de eu ter nascido.

Segue-se que a Vida, a Liberdade e a Felicidade não são algo, à maneira de Direitos, que eu possa reivindicar (mas reivindicar de quem?), mas são antes algo, que tendo-me sido dado, representam uma dívida que eu tenho para  com a comunidade  e que devo pagar transmitindo esses valores às gerações que se vão seguir a mim.  São verdadeiras tradições (uma palavra com origem no latim, e que significa transmitir).

A frase original da Declaração de Independência dá lugar a  uma certa visão do mundo, fundada em meias-verdades, às quais se seguem muitas falsidades. A versão verdadeira dessa frase dá lugar a um visão do mundo completamente diferente. A primeira põe o homem no centro do mundo, a segunda põe a comunidade. A primeira reivindica direitos onde eles não existem, e provavelmente reivindica-os da comunidade, a segunda, pelo contrário, impõe dívidas para com a comunidade.

E, quando se tratar de saldar essas dívidas para com a comunidade, vai haver lugar àquela distinção que  a Declaração de Independência omite - a distinção entre homens e mulheres para saber quem é mais importante na comunidade e, portanto, quem são os principais credores, os homens ou as mulheres.

Eu não tenho dúvidas de quem seja. Mas a Declaração de Independência nem fala deles, dos credores principais. Só fala de homens.

3 comentários:

Anónimo disse...

Ò Arroja, descontando os efeitos das droga psicadélicas que deve ter consumido em barda na sua juventude, (o que explicaria grande parte do que escreve) veja lá se consegue ter um pensamento minimamente estruturado que responda à seguinte questão:

Por que raio é que as mulheres são mais diferentes do que os homens???

Anónimo disse...

Pedro Arroja: a caravana passa.
eao

Anónimo disse...

Mas isso não é o inverso de Rousseau ? onde se lê comunidade leia-se sociedade, será uma espécie de contrato social com a comunidade ? seremos credores só dos benefícios ? e dos malefícios ? daquelas mães que maltratam ou matam filhos ? pais idem "... seremos também credores ou devedores ?