Existe, de facto, como o Joaquim fez notar no post anterior, uma adversidade dos economistas e, mais ainda, dos juristas e dos jornalistas - para só mencionar os principais - em relação aos médicos, embora não só em relação a eles. A mesma adversidade existe em relação a outras profissões, como a de professor, juiz, militar, padre e sobretudo em relação àquela que é bem capaz de ser, nos tempos que correm, a mais impopular de todas as profissões, mesmo se ela é, na minha opinião experimentada, a mais importante profissão que um homem pode desempenhar na vida - a profissão de pai.
São todas profissões que, nos últimos quarenta anos se degradaram imensamente e perderam, quase por completo, o prestígio que possuíam. Curiosamente, os médicos foram, na minha opinião, aqueles que melhor se defenderam desta ofensiva maciça, que não é nenhuma conspiração, mas um confronto de culturas. É a cultura protestante ao ataque sobre a cultura católica. É o ataque, visando a destruição, das chamadas autoridades naturais.
Pelo contrário, as profissões de jurista, economista e jornalista, entre outras, são todas profissões criadas pela cultura protestante.
Aquilo em que o protestantismo começou por assentar baterias foi na figura do Papa, a autoridade natural por excelência. Uma autoridade natural é um homem ou uma mulher que dedica a sua vida a proteger e a promover a comunidade - não esta ou aquela pessoa, não este ou aquele grupo, mas a comunidade inteira. Está neste caso o pai que dedica a sua vida a proteger e promover a sua família, e, em relação à comunidade mais alargada, estão também neste caso o médico, o juiz, o padre, o militar e o professor.
Ora, o protestantismo detesta autoridades naturais - em primeiro lugar, o Papa -, os homens ou as mulheres que, por virtude da profissão que desempenham na vida, são objecto de uma confiança espontânea por parte da comunidade que servem e que, em consequência, adquirem um prestígio social espontâneo. Num país de cultura católica, e não sujeito à ofensiva da cultura protestante, esta são figuras sociais proeminentes.
A confiança que a comunidade põe nestas figuras é uma verdadeira fé racional. Ao longo de muitos anos, a comunidade foi observando o médico a fazer bem aos seus doentes, o militar e o juiz a protegerem a comunidade do mal, o professor a educar as crianças, o padre a confortar os enfermos, o pai a fazer o bem aos seus filhos. Aquilo que caracteriza estas profissões e as pessoas que as exercem é que são profissões dedicadas a fazer o bem, ou a proteger do mal. E, por isso, a confiança que a comunidade põe nestas pessoas é uma fé perfeitamente racional.
Até que chega a ofensiva protestante. Aquilo que o palerma do Kant começou por dizer, reunindo as ideias saídas do protestantismo, é que não há fés racionais - a fé e a razão são duas esferas distintas e separadas uma da outra. Ou se usa a fé ou se usa as razão, porque as duas coisas não existem em simultâneo ou em sequência, uma não pode existir com a outra.
Então aquele médico, em quem todos lá no bairro ou na pequena cidade, tinham muita confiança ou fé e que todos viam como tendo qualidades inquestionáveis, tem de ser submetido a juízo crítico ("Crítica..." é o título das principais obras do Kant). E juízo crítico de quem? De todos, da comunidade alargada, e não só das pessoas lá do bairro ou da pequena cidade, porque se ele é, de facto, um bom médico, isso há-de poder estar à vista da razão de todos. Na impossibilidade de reunir a comunidade alargada para examinar a forma como aquele médico - e já agora, todos os outros - faz medicina e se relaciona com os doentes, nomeia-se uma comissão de especialistas.
A partir deste momento, aquele médico muito distinto e que todos apreciavam no seu bairro ou na sua pequena cidade está entregue aos bichos. Será o alvo de todas as invejas e de todo o mal na exacta proporção em que ele fez bem aos outros. Certos procedimentos que ele utiliza serão considerados não-científicos, e não é certo que não o acusem de pedofilia quando ele confortou com um demorado abraço um jovem doente de 13 anos, há vinte cinco anos atrás.
Na realidade, com o tempo, todos os procedimentos médicos serão padronizados no país, e até as relações pessoais entre médico e doente serão reguladas - e os juristas farão todas estas leis e regulamentos com imenso prazer e a convicção (infelizmente errada) de que estão a fazer o bem - a convicção de que estão a proteger a comunidade dos seus próprios médicos. E os economista ficarão mais do que contentes em calcular a indemnização devida a um doente por um acidente ocorrido durante uma cirurgia. Os juristas, em tribunal, encarregam-se do resto. O erro médico fará as notícias dos jornais.
São os juristas, os economistas e os jornalistas - tudo profissões modernas e protestantes - a ganharem ascendente e a submeterem os médicos - uma profissão tradicional e profundamente católica -, e a procurarem substituir-se aos médicos em termos de prestígio social.
Qualquer borra-botas pode agora ser médico - ser médico passa a ser cumprir procedimentos técnicos e relacionais. E os médicos deixaram de ser autoridades naturais para passarem a ser tipos vulgares, na realidade, potenciais fontes do mal - os erros e a má-prática médica, o assédio aos doentes, o dinheiro que eles ganham, eu sei lá. É preciso ter cuidado com eles. De amigos da comunidade, sendo a cultura católica, passaram a ser perigos para a comunidade, quando o protestantismo vingou.
PS. A minha interpretação da filosofia do Kant - não é fácil porque ele era um pató e um trapalhão - é largamente coincidente com aquela apresentada aqui:
http://www.catholiceducation.org/articles/civilization/cc0011.html
9 comentários:
Por acaso o que ele diz é que só há fés pela Razão e não pelo Entendimento.
juízo significa proposição. Uma frase onde se afirma ou nega alguma coisa.
Pela vox populi não vai lá.
Vai continuar "obsessivamente" a dizer disparates.
Eu acho que o PA precisa urgentemente de mudar o seu alvo de ataque, porque o Kant, coitado, não diz nada do que o PA lhe atribui. Muitas vezes está até veemente contra o que o PA lhe atribui.
Se precisa de de um saco de boxe para lhe inspirar a escrita sugiro que algum bondoso procure um intelectual com as características que o PA precisa:
- defenda que a razão não pode estar assente sobre a fé
- defenda que a razão está no consenso alargado
Para o 2º ponto sugiro um contratualista, género Locke ou Rousseau. Agora em conjunção com o 1º ponto não estou a ver ninguém óbvio. Sugestões?
Depois de pensar um bocado acho que o PA devia dirigir os seus epítetos de palerma ao Stuart Mill.
Não que eu tenha algum sentimento forte contra o homem, mas acho que preenche os mínimos para saco de pancada do PA:
- achava que a liberdade de expressão era o caminho para descobrir a verdade colectivamente por consenso
- era empirista e ateu, e presumo eu que exclui a fé como possível origem da razão. Nem a fé religiosa, nem a fé por intuição.
"Pelo contrário, as profissões de jurista, economista e jornalista, entre outras, são todas profissões criadas pela cultura protestante"
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Eu nao queria dizer q a afirmacao supra é, digamos, um disparate, mas nao resisto a dizer q é uma afirmacao sem qualquer sustentacao na realiadade passada.
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O protestantismo começa nos sec xv. Antes dele haviam homens das leis, contabilistas, se bem q desconheço se haveriam jornalistas.
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Rb
Na América ao menos há palhaços para tudo.
Este Peter Kreeft é um charlatão que acha que vende religião deturpando a Filosofia.
O artigo é uma vergonha de desonestidade e imbecilidade.
http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/hungary/10373959/Viktor-Orban-interview-Patriotism-is-a-good-thing.html
http://www.chathamhouse.org/publications/papers/view/194812
Utilizar "palerma" para epitomar Kant, parece-me um bocadinho excessivo.
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