30 outubro 2013

o maior milagre

Por que é que Deus colocou aquele sinal no meu caminho - ou o diabo, porque, é preciso não esquecer, o diabo é uma criatura de Deus?

Só agora eu sei formular esta questão de forma tão nítida, porque na altura não sabia.

Foi muito mais do que um sinal. O mais violento abanão que eu apanhei em toda a minha vida e que me fez questionar  toda a minha vida. O ano ou dois que se seguiram constituiram a fase mais intensa de ligar os pontos por que passei.

Morrer? Isso serei eu o primeiro a morrer, toda a gente sabe, e as estatísticas confirmam, que (em média) os homens morrem mais cedo que as mulheres - sete anos (em média) mais cedo.

Deus vinha agora dizer-me: "Olha que pode ser ao contrário".

Ao contrário?

 E como é que seria a minha vida se fosse ao contrário?

 A sensação que tive foi a de um prédio a ruir.

Conhecemo-nos adolescentes, ela tinha 15 anos, eu 16. Começámos a namorar alguns anos depois, ela tinha 18, eu 19. Casámos em seguida, ela tinha 21 e eu 22. Depois veio o primeiro filho, ela com 23 anos, e eu 24. Tinham passado 40 anos, uma vida, eu nem tinha dado por eles, ela tinha agora 55 anos, eu 56. E eu tinha passado a minha vida praticamente toda com ela.

E o que é que fizemos? Tantas coisas. Andámos juntos na escola e na universidade a tirar cursos; fizemos carreiras profissionais; vivemos em conjunto no estrangeiro; tivemos filhos; construímos casas e empresas, viajámos, resolvemos puzzles aos filhos, jogámos à bola com eles,   escrevemos livros - eu escrevia e depois dedicava-lhos a ela.

Tínhamos feito muitas obras, os dois.

E qual tinha sido a obra mais importante que eu próprio tinha feito na vida?  Quando chegou a altura de responder a esta questão, não existia a mínima dúvida no meu espírito. A obra mais importante que eu fiz na vida foi a minha família. Os frutos desta árvore estão aí à vista para quem os quiser conhecer.

Mas nem a obra mais importante da minha vida - pensei - eu fiz sozinho. Fiz com ela e concluí - para minha surpresa - que na obra mais importante da minha vida eu nem sequer tinha sido o autor principal. E até quantifiquei, 70% para ela,  30% para mim.

E se ela partisse?

Não era só que eu não sabia sequer estrelar um ovo, nem comprar uma camisa, menos ainda conjugá-la com a gravata. Era um mundo à volta de mim que ruía. Como é que eu ia agora encontrar-me com os meus netos? Era sempre ela que arranjava os encontros, que falava com as noras, que tratava das papas e tomava nota das horas de dormir. Eu sabia lá fazer isso.

E se ela partisse, o que é que eu tinha para lhe dizer?

Foi só muitos meses depois, um dia eu ia sozinho no meu carro, levava o rádio aberto e começou a passar uma canção. Era uma canção antiga, de um dos meus artistas preferidos, já a tinha ouvido muitas vezes, sem nunca ligar à letra. E foi naquela altura em que ele entoou enfaticamente o verso "Si tú te vás...", que eu passei a dar mais atenção ao que ele dizia.

Sim, era exactamente isso que eu tinha para lhe dizer, e que lhe queria dizer, se ela partisse. Comprei o CD contendo essa canção que passou a estar permanentemente no meu carro.

A canção é esta.

Volto á questão inicial: por que é que Deus me pôs este sinal no caminho?

Para me mostrar, para que eu sentisse na pele, para que eu soubesse qual foi o maior milagre que ele pôs na minha vida.

Porque eu não sabia. Nunca sequer tinha pensado nisso.

8 comentários:

Anónimo disse...


Apenas para lhe recordar algumas palavras de conforto...

" We were born to tread the Earth as angels
To seek out Heaven this side of the sky
But they who rest alone just stumble in the dark
And fall from grace.

Then love alone can make the fallen angel rise
FOR ONLY TWO TOGETHER CAN ENTER PARADISE "


D. Costa

Anónimo disse...

Raramente se lê algo assim, tão bom.
eao

Ricciardi disse...

O texto é bonito, mas nao creio que Deus lhe pôs a senhora sua mulher doente para o fazer ver ou mostrar o quanto precisa dela e da familia.
.
É, digamos, uma visao muito concentrada em si mesmo dos designios do Altissimo.
.
Rb

BLUESMILE disse...

Este é o mais belo texto escrito pelo PA.

Lindíssimo, de tão sincero e corajoso.

Fala de um milagre sim.
O único milagre - a (s) pessoa(s)que são o amor na nossa vida.
E se deus é amor, essa (s) pessoas são a carne de deus.
Mesmo ao nosso lado.
Um suave milagre.

marina disse...

ficaram mais fortes e mais unidos . e a sua esposa hoje sabe o quanto pode confiar em si .
e a Blue disse tudo.


olá Blue , grande ausência.

Lura do Grilo disse...

O Pedro continua com os seus posts de masoquismo masculino. O Pedro e o homem é nada! Não muda as lâmpadas de casa, não compõe uma ficha avariada, não conserta o estore, não coloca um prego na parede! Dilui-se para realçar o feminino.
Que comiseração é essa?

Vivendi disse...

O PA percebeu nesse dia que podia ter a graça de ser pobre mas não podia ficar sem a graça do amor.

Na redenção e no sofrimento consagrando a via do amor como não chegar ao milagre?

Anónimo disse...

Soubera eu escrever tão bem quanto o Professor e estas suas belas palavras poderiam ter sido escritas por mim.

Se há Milagres? Claro que os há. Vêmo-los todos os dias, a própria Natureza é um Milagre Divino. E cada um de nós, seres humanos, somos abençoados por eles muitas vezes durante a nossa vida, mesmo que não lhes prestemos atenção e/ou nem sequer neles acreditemos.

Eu pessoalmente tenho sido bafejada por essa Benção várias vezes ao longo da minha vida. Claro que só quem tem verdadeira Fé pode chegar a Deus. E a Fé é algo que não se explica, ou se tem ou não se tem.

Os filósofos e os cientistas em geral são por natureza descrentes, como não conseguem provar a existência de Deus em laboratório..., não acreditam Nele. Faz parte da sua maneira de ser. Com talvez a única excepção de Einstein que disse acreditar em Deus o que gostava de saber era se o Mundo tal como se encontrava era Obra Sua ou do acaso.

Há quem duvide da existência de Deus. E até há quem a negue peremptòriamente. A esses, que òbviamente não foram bafejados pela Fé nem sabem o que Ela significa, só posso aconselhar a minha experiência pessoal. Deixem por momentos a incredulidade de lado ou suspendam momentâneamente o seu agnosticismo e observem com olhos de ver a Natureza na sua maravilhosa imensidão e extraordinária plenitude. Será possível não acreditarem por um segundo sequer que tanta grandiosidade teve que ser Obra de Algo que nos ultrapassa, de um Ser Omnipotente capaz de A criar na sua incomensurável perfeição, diversidade e beleza? Para quem é crente a resposta está dada. Para quem não é, terá uma existência mais pobre, mais amargurada, mais infeliz, mais só. Mesmo que não o admita abertamente sabe-o no seu íntimo. E por vezes até o admite e afirma-o com sinceridade. Confessam estas pessoas que se sentem inúteis, tristes, sem afinidades ao próximo (na verdade odeiam todos em seu redor e até a própria Humanidade) sem propósito ou motivação para viver. O que é que traduz este desolador estado de espírito senão a falta de religiosidade, a necessidade de acreditar, de amar, de ter Fé em Deus? É que amar e respeitar a natureza, o próximo e a família, é amar a Deus. E Deus retribui sempre esse amor a dobrar, normalmente através de milagres para que nos apercebamos da Sua efectiva existência.
Eu sei do que falo. Estas não são palavras vãs. Temos vários amigos e até alguns elementos na família por afinidade cujas difíceis personalidades, falta de amor ao seu semelhante e descrença absoluta num Ser Superior, são o exemplo acabado do que escrevi acima e tenho a certeza absoluta, a verdadeira causa da sua tremenda infelicidade e nenhuma vontade de viver.
Maria