27 outubro 2013

de muito mais tempo

Um dos aspectos que eu achei mais interessante neste depoimento é a conclusão final - a de que se pode chegar a Deus pela razão, demora é muito mais tempo. É que eu tinha passado a tarde de ontem a imaginar-me em diálogo com o Kant, precisamente sobre este tema.

Como é sabido, o Kant considerava que não se podia chegar a Deus pela razão (pura), mas apenas pela fé desligada da razão, uma conclusão que ele tornou célebre com a frase "Tive de negar o conhecimento (razão) para abrir espaço para a fé".

Na realidade, eu terminava o meu diálogo com o Kant precisamente com a última frase do autor do depoimento, apenas com uma qualificação que vai notar mais adiante. Reproduzo a seguir a troca essencial de palavras entre mim e o Kant, não sem antes chamar a atenção para dois aspectos do depoimento do leitor.

O primeiro, é a sua menção da família no processo que o levou a Deus. O segundo é a questão de "ligar os pontos". Este "ligar de pontos" é precisamente o processo racional que o leva a Deus. Perante muitos sinais convincentes e convergentes que a realidade lhe vai fornecendo ao longo do tempo, o autor vai gradualmente pondo-os em conjunto, articulando-os, até que chega o momento em que a conclusão se torna inevitável, uma absoluta necessidade lógica.

Volto agora ao Kant. É ele que inicia o debate:

-Não se pode chegar a Deus pela razão.

-E você esperava lá chegar sozinho?

-Porquê, é preciso companhia?

-Claro que é ... Nem Deus  fez Cristo sozinho ... só através da comunidade se chega a Deus...

-Como assim?

-Olhe, arranje mulher, fecunde-a e vai ver como chega a Deus pela razão. Há só uma diferença - ela, se quiser, chega lá num instante, ao passo que você vai precisar de muito mais tempo.

5 comentários:

Francisco disse...

Pela 100ª vez desde que ficou obcecado pelo Kant (parece que ainda não acabou), apesar de o insultar está a dar-lhe razão.

Ora se o PA precisa de mulher e filhos para chegar a Deus, então isso significa que não pode chegar lá apenas pela razão pura (que é individual e privada). Precisa da Razão, da mulher e dos filhos. A não ser que ache que a mulher e os filhos são criações da sua razão.

Francisco disse...

Toda a conversa do PA de que o amor tem que ser a base da razão é precisamente a rejeição da razão pura como caminho para chegar a algum lado, pelo menos partindo do princípio que isso tem o mínimo de significado.

Francisco disse...

Aquilo que me parece que o PA quer dizer é que se pode acreditar em Deus sem ser por uma fé cega, e que no fim de uma longa caminhada com a mulher e os filhos há um modo de acreditar em Deus que está em perfeita sincronia racional com o percurso da vida.

Mas quando se diz que é impossível chegar a Deus pela razão pura, está-se a falar de uma coisa completamente diferente. Está-se a rejeitar as "deduções lógicas" da existẽncia de Deus, ao estilo de Descartes.

Eu não faço a mínima ideia se o Kant rejeitaria o caminho para Deus do PA, aliás eu nem compreendo qual é a relação desse caminho com alguma coisa que o Kant tenha escrito.

Anónimo disse...

Fecunde-a?... mas em que Mundo é esse?... a enorme quantidade de violações que existem numa guerra a sério devem-se não ao simplismo que de repente todos ficaram violadores, mas ao instinto animal de querer fecundar uma mulher, deixar descendência (a eternidade), por parte de alguém que mais logo não sabe se está vivo... --JRF

Anónimo disse...

Mas vou simplificar o melhor que consigo.

Deus reside em cada um de nós. E existe um momento em que nos damos conta disso.

Alguns sempre souberam porque acreditam (fé).

Outros, como eu, necessitam de provas. Aos 20 anos nunca pensei que as fosse ter, portante, julguei que seria agnóstico para sempre (era a única opção racional e lógica).

Contudo, (sic) "perante muitos sinais convincentes e convergentes que a realidade me foi fornecendo ao longo do tempo, fui gradualmente pondo-os em conjunto, articulando-os, até que chega o momento em que a conclusão se torna inevitável, uma absoluta necessidade lógica."

Assim:
- Face a todos estes sinais convincentes e convergentes que a vida nos vai fornecendo
e
- perante a articulação lógica entre eles, ou seja, quando conseguimos ver ordem no que até então era apenas caos,

só existe uma conclusão racional a tirar: Ele existe ou Algo existe.

Por outras palavras, pode sair-me o euro-milhões uma vez. Já sair-me o euro-milhões várias vezes ao longo de 10 anos é, no mínimo, estatisticamente, estranho.

Com os sinais acontece precisamente isso. O que nos apercebemos é que existem certos acontecimentos que são estatisticamente tão improváveis de ocorrer que algo não bate certo. Ocorrer uma vez, vá que não vá. Duas vezes, começo a torcer o nariz...

Analisando os sinais isoladamente ainda podemos aceitar a coincidência... algumas coincidências. Mas quando do caos nasce a ordem, torna-se irracional não aceitar as evidências. Somos levados a considerar que algo estatisticamente muito improvável só pode ter acontecido porque na verdade era impossível (e não improvável) e aconteceu precisamente porque Algo fez com que acontece.

Para melhor entender é necessário perceber que o cerne da questão está no tempo e nas relações entre os acontecimentos e não nos acontecimentos isolados em si.