Domingo á tarde cheguei a Kirckaldy, a pequena cidade escocesa cerca de 50 quilómetros a nordeste de Edimburgo. Foi nesta cidade que nasceu Adam Smith (1723-1790), o moralista escocês considerado o primeiro economista, autor de A Teoria dos Sentimentos Morais (1766) e de A Riqueza das Nações (1776).
Na recepção do hotel informaram-me que só aceitavam reservas para o jantar até às sete menos um quarto. Eu disse para a minha mulher que se jantava cedo na terra do Adam Smith.
Saímos por volta das seis para um pequeno passeio a pé pela cidade. A primeira coisa que notámos é que não havia gente nas ruas, embora a cidade parecesse absolutamente segura. Em breve, nos perdemos. E como não havia gente nas ruas para perguntar, tomando o mar como referência, lá nos encaminhámos para a parte baixa da cidade.
O tempo estava bom mas começava a escurecer. Eram agora umas sete e meia e continuávamos a não ver pessoas nas ruas, à parte umas raras excepções. E foi nessa altura que descemos à realidade: Será que vamos conseguir jantar hoje? Vários restaurantes estavam fechados, havia alguns abertos, mas com muito poucos clientes. Entrámos num.
-Sorry, but we do not accept orders after seven fifteen.
-Do you know any other restaurante around?, perguntámos ao empregado.
Depois de muito pensar, disse-nos que o único que conhecia era um restaurante chinês, cuja direcção nos indicou. Não sendo adeptos de comida chinesa, cresceu em nós a convicção de que iríamos ficar sem jantar na terra do Adam Smith, uma terra onde eu esperava encontrar restaurantes abertos a todas as horas do dia e da noite, em feroz concorrência uns com os outros.
Em desespero, perguntei a um taxista se havia algum restaurante aberto em Kirckaldy. Disse-me que sim, que havia um restaurante italiano perto. E foi assim que, afogueados, perto das oito da noite, entrámos no restaurante Panne & Vino, que estava praticamente vazio.
Fomos recebidos pelo dono e jantámos calmamente. Cerca das nove da noite éramos mesmo já os únicos clientes no restaurante. Umas mesas ao lado, estava o dono a jantar, sozinho, depois de um dia de trabalho.
No final do jantar, aproximou-se de nós e estivemos a conversar. Chamava-se António e era de Salerno. Tinha trabalhado em várias partes do mundo, mas há cerca de dez anos fixara-se ali em Kirckaldy. Tinha casado com uma escocesa de origem italiana, e tinha agora quatro filhos. Disse-lhe que António também era um nome português. Ele sabia, sabia que o S. António era o patrono de Lisboa, e também conhecia a velha polémica quanto a saber se ele era de Lisboa ou de Pádua.
A conversa durou uma boa meia-hora e, antes de pagarmos a conta e saírmos, disse-nos que nós éramos such a nice people que fazia questão de nos oferecer uma bebida. A minha mulher, que não é dada a essas coisas, aceitou um limoncello, o característico licor italiano de limão. Eu disse-lhe que, estando na Escócia, só poderia querer um whisky, na minha avaliação a segunda melhor bebida que existe no mundo, a seguir ao vinho tinto. Ele concordou. Mas eu não queria um whisky qualquer - queria o whisky que bebe o patrão.
Serviu-me um Singleton, 15 anos, e ensinou-me várias técnicas para apreciar um whisky. Numa delas, e logo após colocar o whisky no copo, disse-me para cheirar e provar, e eu assim fiz. Depois, deitou uma pequena gota de água no copo, e disse-me para cheirar e provar de novo. Havia, de facto, uma grande diferença, os aromas e o sabor tinham aberto consideravelmente.
No fim, falámos sobre as diferenças culturais entre um país como a Escócia e países como os nossos, a Itália e Portugal. Disse-me ele à despedida: "You know, people here have no personality, eighty per cent of them are all flat".
2 comentários:
Caro professor,
Já pensou em escrever um livro de viagens?
cumprimentos
Alberto Mendes
Tem de ir jantar à Casa da Música em Agosto... ou só o que é estrangeiro é que é bom caro PA?...
Bem... se na Escócia 80% é flat, na Inglaterra deve ser 100%... só o príncipe Carlos se safa!... Eu gosto do príncipe Carlos... -- JRF
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