11 abril 2013

A má recessão


(post parcialmente inspirado neste comentário do Ricciardi)
Em 2008, depois de anos de sucesso económico, a Letónia enfrentou, como outros países, o rebentar de uma bolha de crédito. O governo da Letónia poderia ter tentado acomodar o impacto da crise como fez o português, mas não o fez. Pelo contrário, deixou que os sectores da economia que mais setinham alimentado de crédito caissem. E cairam rapidamente e com estrondo. O PIB caiu 17% num ano e a taxa de desemprego subiu 10 pontos em apenas dois anos. Os salários cairam cerca de 20%. Nas palavras de Christine Lagarde: “Latvia decided to bite the bullet. Instead of spreading the pain over many years, you decided to go hard, and to go quickly.”.
A estratégia resultou. Em 2010, a Economia da Letónia já cresceu um pouco e em 2011 estava pertos dos níveis de 2008. Isto aconteceu porque o processo de extinção de sectores pouco produtivos e realocação de recursos foi rápido. Compare-se agora com o caso português:
PIB
Fonte: EIU
Em Portugal, o estado tem feito os possíveis para que a recessão não seja profunda, com algum sucesso. Ao lado da Letónia, a linha do PIB em Portugal é quase flat, sem grandes oscilações. O sector privado continua a desalavancar, mas o mesmo já não acontece com o sector público que continuou a acumular dívida. Ao contrário da Letónia, Portugal continua a alimentar sectores ineficientes que viviam à sombra da dívida (maioritariamente o sector público e respectivos dependentes). Um corte a sério causaria uma forte recessão, mas garantiria a realocação de recursos necessária para alimentar a retoma. Pelo contrário, em Portugal, em vez de se reduzir o sector público ineficiente e alimentado há anos por dívida, vai-se matando aos poucos o sector produtivo, ao forçá-lo a alimentar o sector parasita.
Mas isto vai para além de conversa de economistas. Esta decisão tem um impacto humano dramático. Voltemos às comparações entre Letónia e Portugal, desta vez a taxa de desemprego:
DEsemprego
Fonte: EIU
Aqui convém referir dois pontos importantes em relação ao desemprego. O primeiro é que uma economia, por definição, só gera emprego se crescer acima dos ganhos de produtividade. Uma economia estagnada ou a crescer pouco não cria emprego. O segundo ponto importante é que, embora o desemprego possa ser causador de problemas económicos para as famílias no curto prazo, o verdadeiro problema está no desemprego de longo prazo. O desemprego de longo prazo é o verdadeiro factor incapacitante da força de trabalho. Quando os trabalhadores ficam desempregados por mais de 3-4 anos, não perdem apenas o emprego, perdem a profissão. Não é grave que uma economia tenha temporariamente taxas de desemprego de 25%, se puder rapidamente baixá-las para 10%. É bem mais grave para os indivíduos afectados pelo desemprego que uma economia tenha de forma permanente taxas de desemprego nos 15-20%. Uma economia com taxas de desemprego altas e estáveis condena os seus desempregados à incapacidade profissional.
O estado português ao recusar-se a fazer as reformas necessárias para permitir a urgente realocação de recursos de que a economia necessita para voltar a crescer, está a amputar centenas de milhares de pessoas (muitas jovens). Está a impedi-las de adquirirem ou manterem uma profissão, incapacitando-as social e economicamente para o resto da vida. Tudo isto para que alguns possam continuar a viver à mesa do orçamento.
A recessão que se vive em Portugal não é má pelos apenas efeitos imediatos que tem, é má, principalmente, por ser inútil e não estar a servir para corrigir desequilíbrios tão rapidamente como seria necessário. É má porque não é dirigida aos sectores que precisam de ser redimensionados. No final deste processo recessionário chegaremos ao mesmo ponto, mas teremos uma força de trabalho incapacitada, uma geração perdida e um sector privado ainda mais debilitado.

12 comentários:

Luís Lavoura disse...

o estado tem feito os possíveis para que a recessão não seja profunda

Não vejo, sinceramente, como.

O setor que mais caiu em Portugal foi a construção civil. O Estado fez muito para a apoiar? Sim, mas só durante os anos de Sócrates; atualmente, não está a fazer nada.

Outro setor que caiu muito em Portugal foi a banca. O Estado tem tentado apoiá-la? Escassamente, com exceção do caso patológico do BPN.

Luís Lavoura disse...

o sector público que continuou a acumular dívida

Grande parte da dívida que se acumula resulta apenas de juros.

As empresas públicas de transportes, por exemplo, têm a sua operação em grande medida equilibrada. Acumulam dívida apenas porque durante anos o Estado fez os investimentos à custa delas, e agora elas estão sobrecarregadas de juros, que jamais conseguem pagar.

Vivendi disse...

A Letónia abraçou a austeridade

E deu-se bem...

Em 2008, no rescaldo da crise financeira, a Letónia, que acumulava um enorme défice externo, viu-se privada de financiamento e foi forçada a pedir um empréstimo de 7,5 mil milhões de euros à União Europeia e ao FMI.

O país seguiu uma rigorosa receita de austeridade, levada por vezes além do que prescreviam os credores. Depois de ter caído 3,3% em 2008, a economia afundou 17,7% em 2009 e 0,9% em 2010.

Ainda assim, o défice orçamental passou de 9,8% em 2009 para 3,4% em 2011, prevendo o Governo que o desequilíbrio das contas públicas encolha para 1,9% no final deste ano, durante o qual a economia deverá crescer 3,7% – menos do que os 5% registados no ano passado.

Em contrapartida, as desigualdades sociais acentuaram-se no país e o desemprego permanece elevado, em torno de 13%, valor que ainda duplica o dos níveis pré-crise mas que está já distante do “pico” de 20,5% atingido em 2010.

Os mercados recompensaram a disciplina orçamental e os planos de adesão à Zona Euro: os “juros” da dívida pública a cinco anos passaram de 12% em Março de 2009 para um mínimo histórico de 1,7% no final do ano passado, segundo refere a Bloomberg. Aproveitando as condições favoráveis do mercado, Riga emitiu dívida ainda no fim de 2012 que lhe permitiu pagar a totalidade do empréstimo pedido ao FMI com quase três anos de avanço.

A Letónia – assim como a vizinha Estónia – tem sido exemplo do sucesso que alguns economistas e que a Comissão Europeia atribuem a políticas de desvalorização interna.



Comentário:

A austeridade simplesmente funciona quando se faz aquilo que é preciso ser feito.

E ou se muda rapidamente de atitude em Portugal e se faz uma austeridade à séria ou a contrapartida será uma taxa de desemprego cada vez maior podendo chegar aos 25% da população ativa.

Uma austeridade a sério corrige uma economia em poucos anos. Portugal vai querer agarrar o touro pelos cornos ou vai preferir optar por uma década perdida?

lusitânea disse...

Para além DO BPN tivemos o BPP e agora o BCP e BANIF.Outro "sistema" que anda por aí muito alavancado é o dos "cursos universitários" quase em cada freguesia...e claro nas "humanidades" que têm a missão de manter uma maioria sociológica de esquerda...

lusitânea disse...

Mas ai de quem reclame das "imigrações" e "nacionalizações" enriquecedoras e das fronteiras extra-comunitárias de par em par...dali só nos vem riqueza!Embora a constituição mande logo pagar ao 1º pézinho cá dentro...

lusitânea disse...

Mas o grande balde de água fria vai vir depois das eleições na Alemanha.Toda a rapaziada está a julgar que se vai safar através do socialismo para pelos germânicos.Mas eu desconfio que não vai ser bem assim...

Ricciardi disse...

1º A divida externa da letonia é de 120% do PiB. A de Portugal é de 400% do Pib.
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2º A divida publica da letónia é de 40%. A de Portugal é de 120%.
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Ora isto faz TODA a diferença. Efectuar desvalorização interna com a economia endividada não é o mesmo que fazê-lo sem divida.
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Ou a desvalorização interna é útil em todo e qualquer caso e independente do contexto?
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Para melhor se perceber o ponto:
- como podem os portugueses reembolsar os seus emprestimos se o rendimento disponivel baixa abruptamente?
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- Não podem. O credito mal parado tem de disparar. E, olha que giro, ele disparou. O endividamento dos particulares diminuiu, mas o das empresas não diminuiu. Mas se somarmos o mal parado, a coisa torna-se mais grave.
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Porque o dinheiro não cai dos céus.
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A Letónia submeteu-se à pior recessão económica registada na Europa, igualando-se à Grande Depressão norte-americana. O PIB caiu 23% em dois anos. Os salários desceram entre 25 e 30%. Enquanto o desemprego aumentava de 5% para 20%. A pobreza alcançou quatro em cada dez famílias.
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Enfim, meu caro, quando um gajo bate no fundo, em algum momento tem vir para cima.
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Quão fundo gostaria v.exa. que Portugal descesse?
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Anyway, os resultados em Portugal ainda não se fizeram notar. Mas lá chegaremos um dia. Tenho a certeza absoluta de que iremos voltar a crescer. Desconheço a profundidade da queda. Mas quando chegarmos lá baixo, só podemos subir.
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No entanto, o grande problema é que não fizemos NADA para mudar os problemas que nos levaram a té aqui. Continuamos a depender das importações porque não as substituimos. Não fizemos cortes na despesa inteligentes e naquela partezinha inútil. E, cereja em cima do bolo, resistimos ao abaixamento dos impostos directos como quem foge da cruz.
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Rb

Ricciardi disse...

Mas, enfim, hoje é o dia em que a TROIKA em peso anunciou ao mundo de que os planos de resgates NÃO funcionaram.
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Se são eles a dizer isto, eu não preciso de acrescentar mais nada.
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O que eu sei, é que fizemos um esforço de 24 mil milhões em austeridade do qual só obtivemos consolidação de 7 mil milhões. Ora porra, tanto esforço para tão pouco proveito.
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Rb

Ricciardi disse...

Isto significa uma coisa simples: que se o esforço de consolidação tivesse sido mais temperado (sobretudo nos impostos) teriamos tido muitissimos melhores resultados.
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Contra factos, não pode haver argumentos.
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Rb

Luís Lavoura disse...

Ricciardi 3:12 PM parece-me ter toda a razão.
Uma diferença crucial entre a Letónia e Portugal é que em Portugal todos os particulares estão profundamente endividados.
Numa tal situação, a prioridade de todos os particulares (famílias e empresas) é acumular dinheiro para saldar as suas dívidas, e não investir.
Se, numa tal situação, também o Estado começa a praticar austeridade, então a economia pura e simplesmente afunda-se.
A situação na Letónia é diferente, dado que (presumo eu) a austeridade do Estado pôde ser compensada pelo investimento dos particulares (famílias e empresas).
Suspeito, ademais, que o Estado letão tenha bem menos responsabilidades sociais que o português. Com efeito, se na Letónia houve uma quebra no PIB de 23%, então as receitas do Estado devem ter diminuído também em 23%. Se o Estado conseguiu contrair as suas despesas numa quantia dessa ordem, é provavelmente porque tem despesas fixas em educação e saúde muito pequenas.

muja disse...

E eu que pensava que os "setores" só caiam quando tropeçavam ou quando os alunos lhes pregavam rasteiras...

muja disse...

maioritariamente o sector público e respectivos dependentes

Seria muito interessante saber quais, exactamente, são os dependentes.
É que ou muito me engano, ou hão-de se contar em centenas os que o não são realmente.

Porque não são só as empresas públicas e as que têm o Estado na cadeia de abastecimento a jusante.
Há muita empresasinha que, embora não tenha negócios com o Estado directa ou indirectamente, sobreviveu e cresceu com cacau dos QRENs, para cuja obtenção desenvolveram projectos da treta sem valor nenhum.
Hoje os projectos estão mortos, os trabalhadores despedidos, e os patrões de BMW a queixarem-se que assim não podem manter a coisa aberta. Pois pudera! Se o que fizeram todo este tempo foi merdices para mamar do QREN, agora que acabou, ganem. Claro que ganem de dentro do BM... enquanto os outros levam com a greve dos comboios.

Já tinha dito isto ao CN a propósito da história dos contribuintes líquidos: numa destas empresas ninguém é contribuinte líquido, na realidade. E como é? Vamos re-avaliar todos os projectos do QREN para saber quem é que fez alguma coisa de jeito e quem é que mamou apenas, ou neste caso é só mesmo para assobiar para o lado e continuar a arenga de que os FPs é que têm culpa e por isso não devem poder votar?