A oportunidade de assistir à demissão de um Papa
é algo absolutamente fascinante, qualquer que seja o ponto de vista
com que olhemos o acontecimento. Seja pela sua raridade (não por acaso se dizia que os Papas não se demitem: ou morrem ou são assassinados…),
que não ocorria há mais de 600 anos, seja pela dimensão e importância do
precedente que pode ter sido criado na vida da Igreja Católica, seja pelo que
foi dado a entender sobre os motivos da renúncia, seja até pela insólita, mas
admirável coincidência desta tão inesperada demissão ter ocorrido pouco tempo
depois da divulgação do filme de Nanni Moretti, Habemus Papam (2011), em cujo conteúdo acidentalmente profético
ninguém acreditaria até há poucos dias.
Não serei eu, leigo na matéria, que me atreverei
a fazer interpretações desenvolvidas sobre esta demissão, ainda por cima no
blog mais papista da blogosfera portuguesa. Sobre o assunto, tenho gostado de
ler o Pedro Arroja, que certamente continuará, ele que é um profundo conhecedor
e admirador de Joseph Ratzinger, a escrever sobre o que se passou. De todo em
todo, porque a homilia de despedida de Bento XVI, há poucos dias proferida na
Basílica de São Pedro, apresentou razões objectivamente mundanas sobre a sua
decisão, não resisto a fazer-lhe alguns comentários.
O primeiro é que esta decisão foi objectivamente
política. Ao contrário do que escreveu o Pedro neste post, ela não se esgotou
na idade do Papa e na sua eventual consciência de que lhe começavam a faltar
forças para tamanho empreendimento. Bento XVI justificou a sua atitude com
problemas no seio da Igreja , atitudes excessivamente mundanas («hipocrisia religiosa, o comportamento de
que buscam o aplauso e a aprovação do público»), de guerra pelo poder («Penso em particular nos atentados contra a
unidade da Igreja e nas divisões no corpo eclesiástico») e de
desvirtuamento da missão da Instituição («O
verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao público, mas ao Senhor, de
maneira singela, simples e generosa»). E disse-se «bem consciente da gravidade deste acto». A conclusão evidente é a
de que a Igreja Católica padece, afinal, das mesmas mazelas de todas as
instituições humanas, sobretudo a do poder. Uma constatação que devia merecer a
reflexão da ala ancap do PortugalContemporâneo…
Outra observação é a de que esta atitude, ao
contrário do que aqui escreveu o Pedro, não me parece nada inspirada pela fria
racionalidade protestante alemã, mas sim pelo temperamento exaltado dos latinos, que batem com a porta quando estão fartos de
aturar alguém ou alguma coisa. Uma atitude bem católica tradicional, portanto,
no sentido que o Pedro costuma utilizar.
A terceira observação é de que os próximos tempos
vão exigir um papa político, à João Paulo II. Bento XVI foi um papa
eminentemente espiritual, um teólogo racional e inspiradíssimo, e sobretudo
preocupado com as questões da fé, em contraponto com o perfil político da
liderança de João Paulo II. Desse ponto de vista, a sua superior inteligência e
racionalidade, e o seu afastamento voluntário das questões mundanas,
prejudicaram a sua função de líder, de chefe político da Igreja. E, pelo que se
tem visto por estes dias, aquela gente no Vaticano está mais interessada em
questões de egos pessoais e em jogos de poder, do que em assuntos da fé. Nada
de novo na casa, em verdade se diga. Mas á preciso pô-la (e, sobretudo, pô-los)
na ordem.
Por mais que se simpatize com Ratzinger, e eu
confesso a minha admiração por ele, a Igreja Católica sai do seu governo mais
enfraquecida, dividida e confusa do que antes estava. Os conservadores não
acharam graça nenhuma a esta demissão, a opinião pública interroga-se sobre o
que terá acontecido, e muitos católicos começam a ter sérias reservas sobre a
índole das pessoas a quem confiam a sua fé. E se o Conclave escolher um Papa
frágil para fazer a transição, uma espécie de António José Seguro que deixe
cada grupo com aquilo que é seu e fazer o que bem quer e lhe apetece, então,
nesse caso, a Igreja Católica só poderá esperar por dias ainda mais negros.
Esperemos que isso não venha a acontecer.
10 comentários:
Prémio para o post mais alucinado do ano!
O Prof. Marcelo acaba de ser ultrapassado pela direita!
Isto sim, é que é um meteoro a estourar!
Ou por ser latino ou bem por nao abdicar de ser protestante alemao as resultas foram que a coisa naufragou e a fe no Papa e no papado faz aguas.
E que tal olhar para um escurinho como o bispo de Ghana ou similar?.
Paresce que (ja que o Rui A. trouxe a colaçao pararelismos políticos) nao seria a pior das soluçoes. Bom,sempre haverá opositores que nao assim o pensem,, digo, Tea Partys e afins.
Um conselho, nada de italianos. Ultimamente vem a demostrar que como pilotos de naos e cruzeiros, nao sao os melhores e mas adecuados para as navegaçoes em condiçaos adversas seja em noites oscuras, tempestades e tal.
Nostradamus nos assista...
Agora a sério, caro Rui:
Ao referir-se à homilia do Papa, convinha que percebesse o contexto, nomeadamente os textos bíblicos que o Papa está a comentar (se no Evangelho se ouviu um ataque de Jesus à hipocrisia religiosa, qual é o espanto de que o Papa o refira?)
E sobretudo que não usasse como fonte de citação os jornais portugueses ("divisões no corpo eclesiástico" não é propriamente o mesmo que "divisões no corpo eclesial"; adivinhe qual é a expessão original...).
A serio ,S; Que tal como fonte de informacao buscar na Mediaset e tvs de Berlusconi?
Serao as mais adecuadas?
Sera que definitvamente o cansancio veu por impotencia manifesta de nao traer para o redil
ao adicto confesso do Bungz-bunga?
A oportunidade de assistir à demissão de um Papa é algo absolutamente fascinante, qualquer que seja o ponto de vista com que olhemos o acontecimento.
Eu, com o meu ponto de vista de ateu indiferente, não acho nada fascinante.
Se é ateu indiferente, não tinha de achar nem pouco, nem muito, nem nada fascinante.
(claro que não é ateu indiferente. Mal aparece post a falar de religião, seja aqui, seja no Insurgente, Blasfémias e mais onde calhar, lá está o "ateu indiferente" do Luís Lavoura a mandar bocas jacobinas.)
O próximo papa tem que se dar menos com os livros e mais com os fiéis e, sobretudo, inverter o declínio da missão na europa, bem patente, de resto, com o crescimento intenso do ateísmo e agnosticismo e completo alheamento da juventude pelo catolicismo.
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Ao mesmo tempo deve ser um papa guerreiro. Guerreiro na defesa INTRANSIGENTE dos valores de Cristo que se perderam por completo. O aborto, a eutanásia, a familia tradicional, o ensino de Religião e Moral, são exemplos de como a Igreja perdeu completamente a influência.
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A geração dos nossos filhos estão perfeitamente descatolicizados. Se nada for feito, no espaço de uma geração a Igreja reduz-se à insignificancia ou circunscrita ao terceiro mundo.
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Rb
É claro que este papa foi uma péssima escolha. Foi uma escolha bastante conturbada, se bem se lembram. Foi, digamos, um prémio de carreira académica teológica. Mas sempre se soube que não tinha caracteristicas de lider. Um académico não pode ser um líder. Quem lida com livros a vida inteira não sabe dirigir-se às pessoas.
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Isso quer dizer que, sendo um excelente teologo, académico, intelectual, foi um mediano papa.
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Capaz, isso sim, de atrair pessoas com as mesmas caracteristicas que as dele próprio, como se vê, mas incapaz de, tal como Cristo, ter reconhecida autoridade junto das pessoas comuns. E são as pessoas comuns que fazem a comunidade. As pessoas comuns não chegam a Deus pela razão. Precisam do exemplo dos lideres. Joao Paulo II tinha essa caracteristica. Muito mais do que um intelectual, era um sábio que dedicou a sua vida a combater o que tinha de combater, com todas as forças, mesmo quando as não tinha. Muito mais do que académico, era um lider que sabia reunir consigo colaboradores intelectualmente brilhantes como Ratzinger.
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Rb
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