30 janeiro 2013

Paradoxos - o conservador como anarquista

Recuperei um post meu de 13 de Maio de 2005 no blog da Causa Liberal (e depois de uns acertos):

Apesar do vírus igualitarista, internacionalista e em última análise da tendência para o governo mundial (ainda que inconsciente nuns casos e outros nem por isso) ter já infectado aqueles para quem a propriedade, família, a comunidade e a nação constituem as células da civilização ainda passa pelos conservadores a defesa dessas soberanias.

E o que é a propriedade senão um espaço de soberania, de exclusão de terceiros, da capacidade de aplicar unilateralmente as suas regras?

O argumento do "Conservador como Anarquista", passa pelo raciocínio simples de que o espirito conservador procura uma ordem social e homogeneidade de valores nestas células mas combatem - ou deviam combater - ferozmente a legitimidade da intervenção de terceiros nesses espaços de soberania (na sua propriedade, na sua família, na sua comunidade, na sua nação, na sua Igreja). Assim, a proteção dessa soberania no fundo reclama a capacidade autónoma de definir as regras que regem cada uma dessas entidades.  A diversidade autónoma é sempre útil e dinamizador da civilização. As pessoas pertencem a certo sítios e essa identidade preenche a sua razão de ser (a tendência creio, até será o estado moderno desmultiplicar-se em múltiplas nações, para horror do internacionalismo que persegue uma identidade uniformizadora - quem sabe, o bom cidadão do mundo - e por mundo - será esse tal de estado supra-nacional).

Ora, se a procura de uma ordem social no Estado-Nação define um monopólio legislativo e do uso de violência territorial por parte do Estado (que pode ser equilibrado por um processo de descentralização), a defesa da soberania do Estado-Nação significa a recusa em delegar ou reconhecer legitimidade que "outros" tenham a capacidade última de impor legislação externa (a não ser que seja adoptada voluntariamente) e apliquem o uso da violência unilateralmente para a impor.

Como já ouvi dizer o Professor Adriano Moreia, "vivemos em anarquia internacional" e eu acho que ainda bem. Quem se sente conservador e também liberal, deve preservar a diversidade das soberanias e isso significa a capacidade de definir autonomamente a lei e inferir da necessidade ou não do uso da violência quando julgue necessário.

E por isso mesmo, apesar da minha discordância total com a "Guerra do Iraque", espero bem que nunca um organismo internacional-proto-governo-mundial venha a ter a capacidade unilateral e monopolista de pre-condicionar os actos julgados como necessários por cada entidade soberana. Os EUA tomaram uma iniciativa que julgaram necessária e acarretam os custos dessa decisão E isso faz parte da "anarquia internacional" que deve ser preservada. E o que podemos observar da história?

Quando uma das entidades soberanas se porta especialmente mal, várias agências independentes (Estados-Nação) coordenam os seus esforços para combater esse comportamento. E isso meus amigos, chama-se Anarquismo, palavra que significa Sem Poder.

Adenda:

Porque uma boa parte da ciência política denomina de utopia a realidade em que se encontra é um mistério.

Em especial os inúmeros praticantes dessa arte duvidosa que dá pelo nome de geo-estratégia, sempre envoltos em enredos muito para além da defesa territorial da sua própria nação. Esses são mesmo os verdadeiros praticantes da anarquia internacional.

Na verdade em muitos aspectos, essa direita da geoestratégia em muitos aspectos tem praticado não a anarquia mas anomia, dado as suas acções indiciarem que não existe qualquer norma aplicável nas relações internacionais, embora queiram fazer crer o contrário (para libertar as mulheres, impedir os religiosos ortodoxos disto e aquilo, fomentar a democracia e o direito gratuito ao aborto, etc.). Tudo serve para justificar o intervencionismo sem qualquer noção de soberania. Isso não é anarquia - é a desordem total que é para o que serve o termo anomia. O direito e a justiça e as regras da prudência, o bem e o mal, a lógica existem para além de qualquer poder humano. Não é o facto de existir ausência de um monopólio da violência que torna a realidade sem ordem (ao que aplicam o termo "anarquia"), é o não reconhecimento de regras universais comuns capazes de serem entendíveis e descobertas por todos, e assim praticadas.

Portanto, quando me apelidam de ancap encolho os ombros.

2 comentários:

muja disse...

O CN ainda há-de explicar é como é que defende essa tal célula da civilização - a Nação - das outras nações, sem um Estado.

V. fala de conservadorismo liberal. Isso é o mesmo do outro ali abaixo dos "valores judaico-cristãos", como se fossem os mesmos e não em oposição total, como estão.

Se o liberalismo é um produto do individualismo, só pode levar a uma coisa: a dissolução da comunidade em favor do indivíduo. É simples e inescapável.
O conservadorismo, tal como eu o entendo - e penso que bem, mas alguém que me corrija - significa querer conservar a ordem antiga da primazia da comunidade.

Do ponto de vista da religião, o primeiro sustenta-se no protestantismo e na fé franco-maçónica do laicismo e do grande arquitecto, o segundo no catolicismo.

É por isso que nos regimes verdadeiramente conservadores (e.g. Estado Novo e Social, Franquismo), a família - e não o indivíduo - era a unidade fundamental da sociedade.

Tente sintetizar as duas à vontade, mas esbarrará sempre com paradoxos e dificuldades como esta aqui de cima: V. não pode querer um Estado mínimo, ao mesmo tempo que precisa dele forte para assegurar a defesa da Nação, portanto da Comunidade, da Família e, em última análise, a propriedade.

Para além do mais, esta (aparente) anarquia internacional, que é senão resultado do liberalismo dominante?
Tomando o exemplo mais extremo das relações internacionais - a guerra - dantes era necessário existir um casus belli, e uma declaração de guerra formal e atempada.

Hoje fabricam-se casus belli risíveis (como os do Afeganistão e Iraque, e o do Irão que está na forja) e não há declarações de guerra, porque quando são os "bons" a fazê-la, não é guerra: é intervenção humanitária.

Mas, na realidade, essa anarquia não existe. Há desordem, mas não há anarquia - porque há poder de sobra, e está todo concentrado na mãos de uns quantos, não necessariamente Estados.

CN disse...

Um Estado forte não "protege". Protege-se.

Sim, o núcleo sempre foi a família (na altura um conceito extenso que incluía a propriedade e pessoas que vivam com a família).

O estado moderno procura substituir-se à família e criar o individualismo extremo - existe o indivíduo e o estado, que tudo lhe dá e tudo lhe pede.