Num impressionante
exercício de honestidade intelectual, talvez o mais radical e, também por isso
mesmo, o mais interessante a que assisti nos meus dias, o Pedro Arroja tem
vindo a desconstruir tudo aquilo em que acreditou ao longo dos anos, tendo-se
tornado no mais fervoroso crítico de si mesmo e daquilo que defendia no
passado. Este exercício de dúvida metódica e de considerar como tabula rasa
todo o conhecimento adquirido é muito próprio da mentalidade racionalista do Iluminismo
(a que o Pedro pertence como poucos, embora não tenha a plena consciência disso) e levou-o,
num exercício puramente racional, do “tira estado, mete estado”, como ele, com
graça, baptizou o liberalismo, para uma outra Verdade, a que poderíamos chamar,
por similitude, de “tira Igreja, mete Igreja”. Ou seja, enquanto que, no passado, o
Pedro acreditava que a liberdade individual e humana seria tanto maior e mais gratificante quanto
menor fosse a presença e a coacção do estado e dos poderes públicos, o Pedro vê
agora nisso uma premissa de valor rudimentar e chegou à conclusão de que a liberdade
depende da realização humana numa Comunidade Cristã fundada na Bíblia, sob a
autoridade do Papa. Neste contexto, o “tira estado, mete estado” deixa de ter
qualquer relevância, e passa a ser um produto intelectual subversivo do
protestantismo (na versão mais suave) ou do judaísmo conspiracionista (numa
versão mais hardcore).
Neste raciocínio
do Pedro subsiste, todavia, uma evidente incongruência. É que o maior inimigo
da Igreja Católica enquanto Comunidade Universal, a Respublica Christiana
medieval, foi precisamente o estado-nação, que eclodiu contra esta ideia de
comunidade cristã universal e contra a autoridade do Papa, e se sedimentou nos
séculos seguintes, até chegar ao modelo absolutista contra o qual se rebelaram
os liberais clássicos. Na verdade, o estado-nação é, antes de mais, nas suas origens, uma
afirmação contra o poder do Papa e da Igreja, vindo de comunidades locais com
identidade própria (ou nacional), que se transformariam em comunidades
políticas soberanas, onde a autoridade da Igreja não era bem vinda. Para evitar
ser maçador, pondo de lado os inúmeros conflitos de poder entre os reinos
cristãos europeus e o papado, e ficando-me pelas nossas terras, lembraria as
dificuldades, puramente políticas, que o nosso primeiro rei teve para conseguir o reconhecimento da sua
dignidade de soberano independente pelo Papa (apenas obtido em 1179, com Alexandre
III, trinta anos após o Tratado de Zamora), o facto de quase todos os reis da
nossa Iª Dinastia terem sido excomungados, o Beneplácito Régio de Pedro I e, já
agora, as inúmeras concórdias e concordatas, instrumentos jurídicos que tinham
por finalidade resolver conflitos entre a Coroa e a Igreja local ou sediada em Roma. Não
é, pois, necessário chegarmos à laicização jacobina e anti-clerical dos séculos
XIX e primórdios do XX, de influência da primeira república socialista francesa
e não propriamente liberal-constitucional oitocentista (erro muito comum em que
inclusivamente caem alguns liberais, como aqui sucedeu com o Carlos Novais), para assistirmos aos conflitos entre o poder do
estado e da Igreja Católica.
Em conclusão, o “tira
estado, mete estado”, que o Pedro agora ridiculariza, não é, por isso, apenas
útil a quem defende uma liberdade-liberal, mas também àqueles que encontram a liberdade
na Igreja Católica, sobretudo se virem esta como orientadora da comunidade social
e política. É que num estado omnipresente, com muito “mete estado”, portanto, a
presença da Igreja será sempre residual. Para melhor compreensão de todos, eu
sintetizaria estas minhas conclusões num novo bordão, que deixo à consideração
do Pedro: “mete estado, tira Igreja, mete Igreja, tira estado”. Serve assim?
22 comentários:
Não creio que o PA tenha deitado abaixo o liberalismo por essa via racional e crítica.
Nunca lhe perguntei mas creio que foi devido a despertar para a crença; uma vez que antes nem seria crente.
Quanto ao tira-estado-mete-igreja penso que nem se trata disso.
Trata-se de englobar a questão económica (a única de que fala o liberalismo) em algo mais vasto- na doutrina cristão que tem por base uma moral e não um utilitarismo de riqueza material.
Aliás, ele refere isso ali atrás, quando conta como se sentia fechado na arena e foi preciso entrar algo que o fez voar.
Entrou Deus.
não, ele não diz que entrou Deus
diz que entrou Hume
é esse o problema
E depois de Deus e da crença terá entrado a doutrina cristã.
E, nesse aspecto, o PA tem de ser coerente.
Quem se diz católico ou cristão, não pode adorar Deus e Mammon ao mesmo tempo.
(mas ele ainda é bem liberal. Pode confirmar-se isso quando fala nos cortes na saúde e em achar que um dentista é uma treta estética que deve ser paga pelo próprio bolso, ou ficar desdentado, se não há dinheiro para tanto.
Deveria perguntar quanta porcaria inútil que o Estado gasta antes de achar que se deve tirar dentista a quem precisa).
Em última instância, se não houvesse mesmo nem mais um tostão onde cortar e estivéssemos em tempo de guerra- cortava-se na educação, mas nunca na saúde.
Pois é verdade. Também não percebi essa de ter entrado o Hume.
e é um problema, pois. Porque o Hume é apenas um exemplo de filosofia empirista e nem sei para que serve para fazer voar da arena liberal.
Eu nunca fui lá muito crentinha e portanto nem sei o que é uma revelação da crença.
Mas tenho a certeza absoluta que é devido a essa base moral e católica que embirrei logo com o liberalismo.
E tenho pó e do grande aos comunas e aos xuxas.
Um católico nunca poderá ser um defensor do utilitarismo.
Acho que é isto.
Pode dizer-se que há muito ateu que também não é defensor do utilitarismo.
Nesse caso. é porque é um bom homem de Deus
ahahahahashahha
petição pela reabilitação póstuma do capitão judeu Barros Basto
Só faltava agora aparecerem petições para traidores.
Israel que pague.
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Estive a reler.
Não. O PA diz que o Hume foi o primeiro a proibir a entrada a esse personagem.
Depois diz que foi Kant.
E ele diz que o fez entrar e não contou quem era o personagem.
Eu acho que é Deus, ainda que Kant nunca o tenha tirado, apenas o cientificou.
Rui A
Eu sei muito bem que o estado moderno nasceu da Reforma. Não é erro nenhum meu. Por saber disso, também tenho chamado a atenção, ou procurado chamar, que o estado moderno é o inimigo por excelência da Igreja. Espero que o PA o perceba a tempo.
O constitucionalismo é o desenvolvimento natural desse estado moderno, um documento que pretende dar a legitimidade absoluta a reger as relações dos bons cidadãos, agora uniformizados e iluminados por um documento que substitui a Bíblia, substitui a concorrência das fontes de direito que perduraram durante séculos.
O Rui A. como evolucionista, acha que como assim aconteceu "espontaneamente" o estado moderno e a sua constituição é ponto de chegada.
Eu discordo.
O que pedimos é que o PA mão deixe de reflectir sobre o ethos português e a sua relação com a ciência política e economia, sobre a moral e o que ela deve conter. Por mim pode meter Igreja e tirar Igreja que quiser. Pior são aquele que analisam a historia da europa, e conseguem passar pelos acontecimentos e personalidades concretas e as suas motivações e valores, passando ao lado de quem um era cah, outro protestante (nas suas diferentes variantes), outro ligado aos bancos: Coitados, de história não ficam a perceber nada.
O PA não vai gostar de eu me referir novamente a Rothbard, mas quilo que o PA tem feito em relação à sua análise "culturalista" foi o que Rohtbard sempre fez quando escrevia sobre história.
Quando fala de história, as pessoas são enquadradas na sua origem , religião, família, que relações tinha de poder, etc....quase toda a nossa percepção anterior sobre as coisas muda e as coisas ficam muito mais claras, e percebe-se o encadeamento.
parece-me que a ciência , que tirou poder à igreja e deu-o ao estado - serve de base a inúmeras regulações e leizinhas que acorrentam o cidadão , tem ponderar isso de mete igreja tira estado tira estado mete igreja. que a igreja de hoje já não poderá queimar bruxas , mas o estado anda lá perto.
Há aqui uma observação a fazer: a construção da sabedoria humana de forma cumulativa em direcção a uma verdade nem muitas curvas e contracurvas e saltos para trás e para a frete.
Muitos autores conseguem fazer uma descoberta verdadeira útil e serem terríveis em tudo o resto.
É preciso seguir a história e pescar a ligar as diferentes contribuições.
É uma falácia querer aceitar ou rejeitar por completo a obra de um intelectual.
Diria que assim quase todas tinham de ser rejeitadas.
O que é preciso é um fio comum capaz de conseguir construir o fio condutor certo, e ele existe.
O que me atraiu no "austrianismo" que tem evoluído com muitas contribuições parcelares, é uma consistência enorme em todo o seu edifício.
Ora consistência não faz prova de verdade, mas uma verdade terá que ser consistente.
"(...)parece-me que a ciência , que tirou poder à igreja e deu-o ao estado"
.
alguma vez!!??...quem é que foi desenterrar Euclides...quem é que começou a analizar com espirito critico e a divulgar Euclides no Ocidente...quem é que começou a aplicar o mesmo método que Euclides utilizou para a construção da Biblia da Geometria, para as outras ciencias...Fisica...Quimica ...etc...não me digam que foram os judeus !!!?? ou os Maçons !!?? ou o Estado !!?? foram os Jesuitas, que o atrasado mental do Marquês de Pombal expulsou de Portugal...
Obrigado Rui,
As minhas preces à Nossa Senhora da Aparecida haveriam de resultar.
deixe-me pensar sobre os seus argumentos e irei escrevendo à medida que tiver alguma coisa para dizer.
Esta tarde, enquanto viajava do P. para SMP eu vinha era a pensar em judeus - em mim em primeiro lugar.
Quanto á questão do Hume e do Kant num post em baixo, a redacção não saiu feliz. O Hume foi o porimeiro a expulsar o personagem da arena porque foi o primeiro filósofo ateu, ou pelo menos os britânicos assim o dizem - eles gostam de ser primeiros em tudo.
O Kant meteu-o no armário, porque o excluiu do domínio da discussão racional.
Quanto ao personagem é obviamente Deus.
PA
sim, essa do Hume e de Deus só foi para fazer mais um pedacinho de confusão :)
a zazie viu logo
aproveitei para fazer um pouco de mal :)
a sério, vou continuar a vir para aqui fazer o mal
mas penso que à parte algumas bizarrias (judeus, certas pseudo-tradições, e muitas coisas má(i)s) o seu caminho é excelente
Pedro,
Não há dúvida que resultaram, já que "apareci" por aqui!
Abraço e até já,
Era interessante que o Rui aparecesse mais por aqui.
Eu gosto bastante de o ler mas recuso-me a ir ao outro blogue onde escreve um tal de Carlos Abreu Amorim que por mais de uma vez me censurou comentários aos seus posts.
Comentários perfeitamente educados e cordeais, bem entendido.
Talvez não do agrado do sr. deputado, claro. Mas daí a censurar os mesmos.
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