11 novembro 2012

Reforma hospitalar





                                                                       
Uma das poucas vantagens dos períodos de crise é provocarem a necessidade de revermos os nossos hábitos e de encararmos as mudanças que se impõem

E na Saúde serão os Hospitais as instituições  que mais precisam de uma profunda revisão de conceito, de mudanças na organização e de alteração nos comportamentos.
Aproveitemos a crise.

Os Hospitais surgiram há séculos para albergar e ajudar os doentes sem preocupação de tratar a doença, mas apenas, e não era pouco, para dar o conforto possível aos pobres doentes que não dispunham das possibilidades e carinho das suas famílias.
Eram albergues e não instituições prestadoras de cuidados médicos.
Só lentamente, ao longo dos séculos, se foram introduzindo  técnicas de tratamento pouco eficazes e aumentando o conforto e a qualidade da hospedaria disponível.
De forma simples e esquemática pode dizer-se que a vocação hospitalar de  prestação de cuidados médicos eficazes, ocorreu, explosivamente, durante e após a segunda guerra mundial.   
O mundo civilizado tinha ganho a guerra às trevas da bestialidade e os cuidados médicos, a proteção social, a defesa do cidadão contra o desemprego, a miséria, a fome e a doença tornaram-se imperativo moral das sociedades desenvolvidas de que os novos hospitais eram respeitados representantes.
Universidades e Hospitais constituíram-se como símbolos e motores desse renascimento.
E ao longo da segunda metade do sec XX e início deste século a constante evolução das tecnologias médicas, os avanços das ciências biomédicas, a eficácia cada vez maior das terapêuticas, o aumento  sustentado do financiamento, orientaram o desenvolvimento da medicina para a luta contra as doenças através da especialização em sectores cada vez mais específicos da área médica.
A luta contra a doença passou a ser, desde a segunda metade do Sec XX, o principal e quase único objectivo do Hospital.
O doente passou a ser mais o portador de uma patologia que a moderna medicina vai tratar e, se possível, curar, e menos  um ser humano sofredor em busca de alívio.
A visão técnico-científica tem vindo a substituir a visão humanista e compassiva  que tem o doente como centro das suas preocupações
Mas o certo é que nem a organização do trabalho hospitalar, a sua administração, o financiamento, a  sua arquitectura interna, estão preparados e incentivam esses valores.

Para isso os nossos hospitais têm que sofrer uma profunda reorganização funcional e administrativa que deveria ser assunto prioritário de estudo e definição estratégica neste período de crise e em que a reforma hospitalar está na ordem do dia político.
Bem sei que a  mudança de comportamento dos profissionais é essencial e também isso deve merecer a atenção dos responsáveis, mas para conseguirmos a humanização do trabalho no hospital, é  urgente a modificação radical da sua estrutura, funcionamento e financiamento.
Não é admissível que um  moderno hospital de agudos  continue a ser uma instituição da época do desenvolvimento industrial, imitando uma fábrica, com uma direcção, chefias intermédias, comandando e dirigindo serviços altamente especializados, sem autoridade e na base da pirâmide.
Estrutura que favorece o isolamento dos serviços e a fragmentação tecnocrática dos tratamentos com a redução do ser humano doente à doença de que é portador.

Os serviços devem ser sobretudo grandes plataformas técnicas especializadas com uma  excelente Consulta externa, bem articulada com a rede de Medicina Familiar
. O seu internamento programado far-se-á em unidades de boa qualidade hoteleira não divididas pelas especialidades.

Temos que estar preparados para um aumento substancial dos doentes idosos, com patologias crónicas associadas que  obrigarão a uma qualidade hoteleira personalizada e de qualidade.
Cada doente internado terá um médico  (ou enfermeiro?) preparado para o cargo, que será responsável  pela  sua permanência e tratamento, cumprindo um programa de tratamento previamente acordado.
É a aplicação do princípio de que não é uma doença que se interna num hospital mas sim um doente cujo tratamento  é sempre a execução de um projecto de atendimento, de um programa elaborado com o interessado, como Michael Porter e, entre nós os Drs. Sá Couto e Lúcio Baptista têm afirmado e defendido ( Low Cost Health Care).

 Este orientador e responsável pela estadia e tratamentos dos seus doentes será um médico de família com uma competência especial, ou outro profissional
Não tenho ideias seguras sobre como deve ser no nosso País        -- dos mais envelhecidos do Mundo em que em 2012  já há 120 cidadãos de mais de 65 anos para 100 jovens de menos de 15  e em que tudo aponta para que se alargue brutalmente esta diferença nos próximos anos -- mas é indispensável que a noção de projecto de tratamento para todo o doente internado seja uma séria rotina que um profissional de saúde preparado fará cumprir.

Será esta modificação da estrutura e funcionamento dos grandes hospitais que tornará possível voltar a centrar a vocação do Hospital no doente sem prejuízo seu tratamento especializado.

Espero que a reforma hospitalar que está na ordem do dia, tenha em conta estas ideias.

4 comentários:

zazie disse...

Eu não sei se é precisa assim uma revolução, ainda que em relação ao mando e estrutura esteja a leste.

Concordo sempre com estrutura piramidal e chefia centralizada que mande mesmo. Nunca a treta do mando entre colegas e pares.

Mas os nossos hospitais até tinham excelente atendimento de internamento.

Pude observá-lo há uns 12- 15 anos. Tive pessoas amigas internadas, durante longos meses e confirmei como havia mesmo médicos que ainda iam aos hospitais; enfermeiras que faziam de enfermeiras juntos dos doentes e, salvo um caso ou outro- era tudo muito personalizado, sem precisar de luxos e as velhas instalações são conventos lindíssimos pelo que nunca a treta de um barraco moderno os pode superar.

Recentemente tive contacto com internamento hospital e a coisa mudou de tal maneira que consegue estar mais sórdida do que chegou a estar antes do 25 de Abril em hospitais muito velhos e pobres.

Médicos é fenómeno que não se vê. Nem um. Vão lá de corrida matinal, no seu jogging apressado e desaparecem logo porque têm muitos joggings bem diferenciados a preencher durante o dia (a maior parte em negócio privado).

As enfermeiras e enfermeiros, vivem agora nos gabinetes médicos e estão para lá a fazer gráficos ou desaparecidos em "meetings uns com os outros). É muito difícil conseguir observar esses espécimes ao vivo; embora ainda não tenham sido extintos como foram os médicos.

Quem se vê e apenas se distingue pela bata a função são as auxiliares e as da limpeza. E as da limpeza até me pareceram com mais classe que as ditas auxiliares (uma que vi várias vezes andava completamente drogada) que fazem agora o tremendo frete de se fingirem enfermeiras a cuidar desses chatos (em particular os velhos) a quem tratam da forma mais bruta e mesmo ordinária.

E posso identificar casos porque isto que disse é verdade. Verdade essa confirmada por outras pessoas amigas até noutras terras- uma vergonha generalizada para parecer europeia.

Só falta as callcenters em vez de auxiliares, enfermeiros ou médicos, como já é em Inglaterra.

BLUESMILE disse...

Desta vez tenho de concordar com a zazie. O olhar é arguto e um tanto ou quanto cáustico, mas tem razão nalgusn aspectos. Nos grandes hospitais, para aqui se caminha. Com a burocratização dos serviços, com os sistemas informáticos que em vez de serem facilitadores e libertarem os profissionais de saúde dos papéis e lhes deixarem espaço para o contacto com os doentes, se tornaram "sorvedoros virtuais" de tempo.
Com os recursos humanos drasticamente reduzidos e uma concepção do trabalhao "á tarefa" como numa imensa linha de montagem que desumaniza os técnicos e os torna quas invisíveis. A alta tecnologia também não ajuda.
Pode-se monitorizar um doente estando sentado numa cadeira do gabinete, se ouver alguma alteração, os alarmes disparam.Ou seja, deixou de ser prioritário avaliar ao doente face a face, presencialmente.
Claro que , mais uma vez, isto são generalizações e como emtudo em me´dicos e enfemeirso excepcionais.
Por xemplo, há mèdicos chefes de serviço, que fazem ponto de honra em estarem nos erviço ás sete da manhã. para trabalharem no duro, o que implica, consultas a começar ás 8h, cirirgias e supervisão clínica e para quem o dia tem mesmo 24horas. Há muitos médico ( alugns com qualidades técnicas excepcionais)que se recusam fazer privada.
Porque no H públicos podem ter muitas limitações, mas nos privados estes problemas aparecem multiplicados.

A ideia do Paulo Mendo de exsitir para cada doente, desde o momento em que é internado, um médico ou um enfermeiro de referência e um plano terapêutico definido enquadrado numa equipa multidisciplinar , parece-me uma boa ideia. Já é aplicada em algumas unidades, com bons resultados.

BLUESMILE disse...

Mais ainda, concordo integralmente Com Paulo Mendo noutro ponto - o doente ( e a família) são partes integrants desta "equipa" e devem participar integralmente em todas as decisões e processos terapêuticos.

Unknown disse...

Fiz esta pergunta noutro post. Se for possível responder...


"Caro Dr Paulo Mendo, na qualidade de perito na área da Saúde, virtude que lhe atribuo e dado já ter sido Ministro da Saúde gostaria que me esclarecesse umas coisas:

Deixando de lado outras questões do ponto de vista moral e de falta de cumprimento de boas normas profissionais...

Se o possível desperdício se deve ao modelo de financiamento hospitalar ser inadequado e só contemplar as intervenções produzidas por um só grupo profissional que, por acaso, até é minoritário em número de profissionais e intervenções realizadas, levando a que se considere que existe desperdício onde no fundo falta é transparência e prestação de contras.

Como explica que o de financiamento por GDH tenha tantas variações e o que pode explicar essas variações assim como medidas alternativas... ver modelo belga onde se inclui um resumo mínimo de dados de enfermagem e quem diz de enfermeiros diz de tantos outros profissionais que não vêem contempladas as suas intervenções no modelo de financiamento...

Por último... como considera que é possível definir missões de hospitais e unidades de cuidados de saúde primários ( USF e UCC) independentemente? Não se criará uma competitividade de missões que só acresce aos custos pela pressão de aumento de oferta de cuidados?

Ou seja... faz sentido existirem hospitais isolados sem estarem integrados em unidades locais de saúde , com centros de saúde, usf e unidades de cuidados na comunidade + unidades de cuidados continuados?

Parece-me que são casos de competitividade negativa e que causam aumento de custos, sobreposição de recursos e falta de partilha de serviços...