13 maio 2012

porque não quiseram

Vai-se falando com insistência crescente no fim do euro para a Grécia e no fim da democracia.
E como é que a democracia acaba num país como a Grécia?
Normalmente com uma intervenção militar.
É assim que a democracia acaba nos países de tradição católica (ou aparentada, como a Grécia).
Nos países de tradição protestante parece ser diferente. É o próprio Parlamento que põe fim à democracia.
Gostaria de voltar aos países de tradição católica ou aparentada, porque são esses que mais nos interessam, para esboçar uma teoria das intervenções militares.
Tem-se a ideia que uma intervenção militar nos países desta tradição parte de um amplo consenso entre as hierarquias militares (v.g., os generais). Puro engano.
Os generais nunca chegariam a um consenso para realizar esta operação. A razão é que a cultura católica é incapaz de gerar consensos.
Normalmente um golpe militar nos paises desta tradição parte da iniciativa de dois ou três militares, que nem sequer têm de ser generais.
Uma pequena coluna militar parte na direcção da capital para tomar o poder.
E agora, a primeira "lei" da teoria: ninguém sai dos quarteis para interceptar a coluna de revoltosos e defender o regime.
Porquê?
Porque esta cultura extremamente permissiva tolera tudo excepto uma coisa: sangue. Se a maioria dos militares, ou simplesmente um grupo deles, saísse dos quarteis para interceptar os revoltosos, iam dar-se confrontos com derramamento de sangue.
Quando tudo estivesse terminado, o povo iria atribuir a culpa pelo derramamento de sangue, não aos revoltosos, mas àqueles que saíram dos quarteis para defender a ordem política estabelecida. Na realidade, se eles não tivessem saído dos quarteis não teria havido derramamento de sangue. Daí a lei: ninguém sai dos quarteis para defender o regime. (Mais tarde, diz-se que o regime estava pôdre, mas a verdade é que ninguém quer assumir a responsabilidade pelo derramamento de sangue porque sabe o que é que mais tarde lhe vai acontecer).
A segunda lei é que o povo se fecha em casa a ver para que lado a coisa cai. Normalmente cai para o lado dos revoltosos, em resultado da primeira lei. E depois o povo sai à rua a vitoriar os revoltosos - o lado ganhador.  
A evidência empírica para esta teoria é abundante em Portugal. Cito os três últimos golpes militares que ocorreram no país, o de 28 de Maio de 1926, o de 16 de Março de 1974 e o de 25 de Abril de 1974. Todos cabem nesta teoria.
O golpe das Caldas foi talvez o mais interessante. Uma coluna militar sai do quartel das Caldas da Rainha e percorre 100 quilómetros até chegar a Lisboa, uma viagem que na altura terá demorado cerca de 4 horas. Chega a Lisboa tranquilamente sem ser interceptada. Olha em volta, não vê apoio e decide voltar para trás.  Percorre o caminho inverso, outras quatro horas, sem que ninguém a intercepte. É claro que estes homens não tomaram o poder porque não quiseram.

8 comentários:

Fernanda Viegas disse...

Belíssimo post Prof., digno das "Farpas".

Anónimo disse...

A guerra civil espanhola realmente não teve sangue nenhum, aliás deve ser porque a Espanha é um país islamico... ou animista... ou protestante talvez.

Enfim, cada teoria mais tonta. Os portugueses de 2011 têm pouco a ver com os de 1926... hoje não seria tolerada a carrinha da morte.

Camilo

lusitânea disse...

O seguro de vida deste regime é ainda a Europa.Mesmo com troikas.Se isso acabar, vai-se...com grandes manifestações de apoio!
É que a rapaziada não governou!Governaram-se!!!

Vivendi disse...

O prof. hj está inspirado. sempre bom ler e aprender.

Zephyrus disse...

A Espanha tem duas metades. Uma republicana e agnóstica ou ateia, a outra católica e monárquica. Tudo ao extremos, sublinhe-se. Portanto, é um caso algo especial, diferente de Portugal e de Itália.

Vivendi disse...

A Espanha tem duas metades. Uma republicana e agnóstica ou ateia, a outra católica e monárquica. Tudo ao extremos, sublinhe-se. Portanto, é um caso algo especial, diferente de Portugal e de Itália.

Nem mais... E pelos seus fortes regionalismos e fatores identitários...

tudo passa pela religião e pela cultura. As pessoas é que não aprendem a dominar esta realidade.

Vivendi disse...

..."Desgraçados daqueles países que ainda se preocupam do seu tesouro, que velam pela sua felicidade, que se adiantam, que enriquecem, que se tornam os dominadores no concílio político da Europa; desgraçados esses países. Não sentem o prazer de se arruinar folgando, de caminhar para a morte entre cantos joviais: são positivamente desgraçados. Não têm, como Portugal, a glória de perderem a sua nacionalidade por desleixo e por ignorância, de atirarem, num delírio galhofeiro, a sua liberdade às outras nações, como um caçador atira um bocado de carne aos cães que a despedaçam!"...

Por Eça de Queirós

Vivendi disse...

..."Desgraçados daqueles países que ainda se preocupam do seu tesouro, que velam pela sua felicidade, que se adiantam, que enriquecem, que se tornam os dominadores no concílio político da Europa; desgraçados esses países. Não sentem o prazer de se arruinar folgando, de caminhar para a morte entre cantos joviais: são positivamente desgraçados. Não têm, como Portugal, a glória de perderem a sua nacionalidade por desleixo e por ignorância, de atirarem, num delírio galhofeiro, a sua liberdade às outras nações, como um caçador atira um bocado de carne aos cães que a despedaçam!"...

Por Eça de Queirós