25 março 2012

uma amputação



Uma das questões que nos últimos tempos mais me tem intrigado consiste em saber por que é que os países onde nasceram as ideologias modernas, o liberalismo e o socialismo (Grã-Bretanha e Alemanha, respectivamente), bem como aqueles por onde estas ideologias se espalharam (como os EUA no caso do liberalismo, os países escandinavos no caso do socialismo), por que é que estes países - dizia - tiveram sempre, como condição prévia ou simultânea,  de suprimir o catolicismo, seja perseguindo-o, seja proibindo-o, seja impedindo-o de entrar? O que é que há de incompatível entre ideologias e catolicismo?

Eu julgo que estou agora no caminho certo para responder a esta questão, e esse caminho é o que segui no post anterior, a que dei o título de anarquismo. O catolicismo é a realidade, não exclui nada. Uma ideologia amputa uma parte da realidade, e pretende depois construir uma sociedade humana sobre uma  realidade amputada. No caso do anarquismo, a verdade amputada é a autoridade. Ora, uma ideologia é incompatível com o catolicismo porque o catolicismo lhe traz sempre a verdade de volta.

São diferentes as razões que tornam o anarquismo incompatível com o catolicismo daquelas outras razões que tornam quer o liberalismo quer o socialismo incompatíveis com o catolicismo - e que tratarei a seguir -, mas, para usar a fórmula do Chesterton, todas se resumem numa só: é que as  ideologias são falsas e o catolicismo é verdadeiro.

O socialismo amputa a realidade do valor da personalidade, a ideia de que existindo embora semelhanças entre os seres humanos, a diferenças são mais importantes que as semelhanças, e são essas diferenças, especialmente as de ordem espiritual - a sua personalidade - que fazem de cada ser humano um ser único e irrepetível, diferente de todos os outros. O socialismo amputa a realidade desta verdade e prossegue para construir uma sociedade onde todos sejam iguais.

No caso do liberalismo, é a ideia de comunidade que é retirada do domínio da realidade, pretendendo-se em seguida construir uma sociedade onde cada pessoa define o seu próprio destino e constrói a sua própria vida exclusivamente por si, e  independentemente da comunidade e de quaisquer laços comunitários. Que isto é uma impossibilidade prática, que nenhum homem se faz por si próprio e independentemente da comunidade , que ele precisa, pelo menos, de ter um pai e uma mãe, e que mesmo um empresário de sucesso precisa de ter uma comunidade para lhe comprar os produtos, é uma verdade tão óbvia que não vou escrever mais sobre ela.

Para o socialismo, o pior que lhe pode acontecer é aparecer-lhe pela frente um homem desconcertante, uma personalidade invulgar, um homem que não seja politicamente correcto. Ora, este tipo de homens não faltam entre os de cultura católica. Os socialistas não sabem como lidar com um homem assim, este homem destrói-lhes a fantasia de que todos somos iguais, é o iconoclasta por excelência,  capaz sozinho de deitar abaixo todo o edifício socialista. O melhor, por isso, é mantê-lo à distância, excluí-lo.

Dito isto, e no seguimento do que fiz em relação à autoridade, eu gostaria agora de me interrogar, acerca da seguinte questão: o valor da comunidade, que o liberalismo exclui,  e o valor da personalidade, que é excluido pelo socialismo, são valores, em primeiro lugar, femininos ou masculinos?

Qual é a figura central da comunidade, começando pela comunidade de base, a família, sobre a qual assentam depois todas as outras, é um homem ou uma mulher? Eu elaborei tanto sobre este tema nos últimos posts que não vou dedicar-lhe mais atenção aqui. É a mãe, portanto uma mulher.

E quanto à pesonalidade, esse valor da diferenciação entre os seres humanos, quem é mais arreigado a ele, quem recusa mais a igualdade, quem é mais propenso a fazer tudo para se diferenciar do seu semelhante, o homens ou a mulher? Também em tempo tratei este assunto extensivamente - a mulher.

Não vou, por isso, voltar ao assunto, excepto para adicionar uma nota pessoal. Eu tenho dois filhos e duas filhas. Um dos meus filhos dá bastantes ares a mim, e por vezes as pessoas fazem notar isso: "Vi o seu filho na televisão. Vi logo que era seu filho". Nunca senti o meu filho amofinado com esta observação, muitas vezes feita à frente dele ou a ele directamente; pelo contrário, sorri e aceita. Mas experimente-se dizer a alguma das minhas filhas que ela é parecida com a mãe. Ela recusa veementemente qualquer semelhança e até fica ofendida. Ora, eu já vivi o tempo suficiente com a mãe delas para saber que, quando ela própria era jovem, também o pior que lhe podiam dizer é que era parecida com a mãe. Uma mulher não aceita semelhanças sequer com a sua própria mãe, quanto mais com a vizinha do lado.

Quer dizer, aquilo que as ideologias amputam da realidade - a autoridade no caso do anarquismo, a personalidade no caso do socialismo, a comunidade no caso do liberalismo - são, em primeiro lugar, valores femininos. E isso significa que toda a filosofia política da modernidade, que está assente em ideologias, representa em primeiro lugar um ataque, uma desvalorização, uma amputação da condição de ser mulher.

É com esta conclusão no espírito que eu pretendo em seguida comentar este post do Joaquim.

16 comentários:

Jorge Carreira Maia disse...

A questão da incompatibilidade entre as ideologias modernas e o catolicismo não é assim tão intrigante. Tanto o liberalismo como o socialismo (pode-se incluir o anarquismo e o comunismo) são formas seculares de protestantismo. São um cristianismo reformado e secularizado.

O conflito original e originário dos conflitos posteriores está na Reforma. O que me parece interessante é uma outra coisa. As ideologias - refiro-me ao liberalismo e ao socialismo - deram um espírito de unidade às pessoas, em certos países, que a pulverização das Igrejas reformadas não pôde dar. Mas era já uma unidade fragmentada pelo conflito ideológico. Esta fragmentação tinha, porém, no catolicismo, na aversão a ele, um ponto em comum. Repare-se que, mesmo nos países católicos, a importação do liberalismo e do socialismo traz sempre consigo uma aversão à religião histórica do país.

Anónimo disse...

Estas postas do PA estao cada vez mais esquisitas. alem de ele usar conceitos como "anarquismo" (querera falar de anarco-sindicalismo, o movimento de esquerda dominante em Portugal e Espanha antes dos anos 30?) toda esta questao me parece um pouco adolescente.

Porque sejamos francos: temos aqui um home de ciencia ("protetsatnte"), formado nos principios do conheciomento cientifico a tentar conjugar isso com a fe' que o catolicismo exige.

Rui Silva aka Harry Lime

Anónimo disse...

O PA esta' a tentar arranjar, a' boa maneira cientifica "protestante" do sec. XIX (o tal modelo do Universo como relogio e de Deus como o seu reolojoeiro), uma arquitectura completa que conjugue a ciencia e a fe'. Isto e' impossivel de alcancar.

Assim, a solucao para um home de ciencia como o PA e' aceitar as contradicoes do Mundo: por um lado aceitar as evidencias cientificas ditadas pela realidade material (naturalmente obejctivas).

por outro aceitar os dogmas catolicos porque esse e' o caminho que a sua sensibilidade espiritual (subjectivas) lhe indica. E no final viver com a aparente contradicao.

Parce simples e 'e simples, a nao ser que o catolicismo nao surja ao PA pela via espeiritual, ou o PA seja incapaz de l'a chegar por essa via (que e' para mim a unica via para aceitar uma religiao)

Rui Silva

zazie disse...

Olha, acertaste- é isso mesmo. O PA está um kantinho da foz que faz favor...

":OP

CN disse...

Todas as ideologias conspiram contra o direito natural. Isso para mim parece-me claro. E assim será porque as ideologias procuram o o poder não-civil e para isso precisam de cometer crimes contra alguma espécie de direito natural.

zazie disse...

Mas como é que "as ideologias" conspiram?

Vivendi disse...

Os primeiros critérios de verificação científica foram feitos na teologia e em discurso racional.

E por alguns comentários aqui, a opinião tradicional milenar passou a extremista em relação à novidade.

No campo liberal, a Escola Austríaca é uma exceção na compreensão do catolicismo.

http://vivendi-pt.blogspot.com/2012/02/catolicismo-protestantismo-e.html

CN disse...

Zazie

As ideologias diferenciam-se pelas áreas diferentes do direito natural que pretendem de-legitimar. A social-democracia, a ideologia do centro, que pode ser tão extremista como os extremos à direita e esquerda (como o igualitariamo), quer elevar a democracia a um fim em si mesmo e a fonte única de direito e legitimidade.

O PA quer insistir no velho anarquismo, mas mesmo esse anarquismo viu antes dos outros que o imperialismo do séc. 19 ia acabar na Grande Guerra, que na verdade foi o grande destruidor da antiga autoridade. Foi o suicídio da civilização cristã praticada pelas elites. E a minha explicação é que no advento da Grande Guerra a máquina dos Estados já tinham ultrapassado a capacidade de governo executivo (dito absoluto) das monarquias. Foi o que se ganhou com o constitucionalismo.

Vivendi disse...

E se no século xix foi o imperialismo agora é o consumismo promovido pelas multinacionais.

Os grandes capitalistas só tem fomentado o socialismo, o liberal socialismo ou o capitalismo de estado.

Ricciardi disse...

As ideologias apregoadas nao passam de formas de legitimar interesses, de pessoas ou grupos, para tomar ou conquistar o poder, político e finançeiro. Quer dizer, em democracia, quando se sente q o povo estah farto de pão com margarina, serve-lhes pãozinho com manteiga para ver se ele come. E ele vai comendo, votando. O interesse do poder Governativo actual nao êh o bem estar do povo no qual as ideologias podiam de alguma forma ajudar, como um espécie de guia orientador da accao. O interesse êh alimentar a ilusão de que o povo escolhe. O fim ultimo êh adaptar o discurso, sob a forma de ideologia contra a ideologia anterior, para fins próprios e estranhos ao povo. Adaptar conforme as circunstâncias. Se se sente que o povo nao come mais socialistas democráticos, nem sociais democratas, da-se-lhes uma variantezinha liberal ou comunista, popularuchos, circunstânciais, convenientes. E nem precisam de se constituir numa nova associação partidária... aproveitam as existentes que êh mais fácil e o sucesso garantido. E eles comem, votando, para manter as máquinas partidárias oleadas. O regime estah podre. Podre porque da base ao topo êh um regime corrupto. Nao êh mal português. O mundo todo democratizou a pouca-vergonhice político-partidária, a oligarquia partidária, a ditadura das opções que nos impõem para votar. Ora votas na merda, ora votas no esterco. A escolha êh simples e previsível. Rigorosamente previsível. Uma ciencia exacta. Querem saber, depois do PSD, o PS vai ganhar. E depois deste vai voltar o PSD. Qualquer gajo sem grande jeito para empreeder q queira ganhar dinheiro a serio alista-se, mal saia da universidade, num partido de poder. E espera. A única coisa que precisa de dominar êh a arte da eloqüência. Quem nao a tiver naturalmente, estagia uns aninhos e vai aprendendo em congressos, parlamento. Cinco anos na retaguarda parlamentar êh tempo suficiente para aprender as verdadeiras necessidades da nação, a eloqüência do discurso. Quando aprender a conjugar a falta de idéias para o bem estar da sociedade, com o avalanche de idéias para bem discursar, estah preparado o imbecil candidato a ministro.
Custa-me muito observar o desempenho dos governantes que temos tido. Meros mangas de alpaca. impostos para cima, salários para baixo, e pronto. Nao os vejo a agir ou estudar potencialidades do pais. A debater coisas verdadeiramente importantes. Em vez de estar a concentrar energias e tempo em vender os estaleiros de Viana a um qualquer angolano, deviam estar concentrados em estudar de que forma Portugal pode tirar partido do savoir fair adquirido nessa área e catapulta-lo para o mundo.

Rb

Pedro Sá disse...

O próximo passo do PA é dizer que é um privilégio feminino ser mãe e dona de casa, e não uma sujeição.

zazie disse...

CN:

V. está a confundir teorias políticas com ideologias. Ideologias são outras coisas- são discursos simbólicos de poder e dominação.

zazie disse...

As ideologiasw funcionam pela propaganda e pela "formação".

Não quer dizer que uma teoria política não se torne ideologia. Mas não é a mesma coisa.

A social democracia nunca foi lá muito ideologia porque sempre houve outras utopias a fazerem esse papel.

Olhe, se quer saber, o seu liberalismo é que tem um tom muito ideológico- porque se simplificou ao extremo e se torna parecido com uma "mensagem"- uma "boa-nova" a propagar.

zazie disse...

E o Ricciardi tocou na questão. Ideologia é discurso- sempre.

É um discurso que se simplifica ao extremo, tende a englobar uma série de esferas de actividade humkana e de aspirações e as condensa em fórmulas que parecem evidentes.

Por isso é que a ideolgia é sempre uma máscara discursiva sobre a realidade.

Oculta a realidade, parecendo dar-lhe um sentido evidente.

E é assim que dominam o imaginário das pessoas- tornando-se a tal "mensagem"- a tal súmula para a acção.

zazie disse...

Olhe, quer um exemplo ideológico ao extremo que anda por aí?

O vídeo para a demissão do Cavaco.

Vi aquilo e impressionou-me. Porque é pura ideologia de manipulação mental.

Tem lá tudo- tem a diabolização de uma pessoa e um processo inquisitorial com base exclusiva numas palavras proferidas.

À conta dessas palavras, montaram um teatro da crueldade onde se vão buscar fantasmas de outras épocas e anjos de esperança de mais revoluções.

Aquele vídeo é perigoso.

Vivendi disse...

A política é em respeito de pessoas e não de valores ou ideias. Não é a procura de valores abstratos, mas sim a busca de poder.