Quem persegue os padres, como fez o protestantsmo alemão, acaba invariavelmente também a perseguir os mendigos. Padres e pedintes são as duas faces da mesma moeda - a economia da dádiva, em que assenta o catolicismo. Uns só dão, os outros só pedem.
Rui Rio esqueceu-se que estava em Portugal, um país católico. Julgou que estava ainda numa sala de aula do colégio alemão.
O Estado Providência - essa instituição protestante destinada a substituir a obra assistencial da Igreja - falhou porque os padres foram substituídos por políticos e burocratas, e os mendigos por cidadãos.
Ninguém sabe dar como um padre, porque ele passa a vida a dar. Ele é o especialista da dádiva. E ninguém sabe pedir como um mendigo, que é um expert a pedir. Ele não faz outra coisa na vida. Só um padre sabe a quem dar, em que circunstâncias dar, e como dar, porque é a ele que todos os necessitados em última instância recorrem. Só ele sabe distinguir um verdadeiro mendigo de um falso mendigo. A própria Igreja tem ordens mendicantes e conhece muito bem o know-how da mendicidade, e as artimanhas do mendigo. Dificilmente um padre é enganado, especialmente se fôr franciscano ou dominicano.
Pelo contrário, o político e o burocrata que substituiram o padre católico no Estado Providência, geralmente nunca deram nada a ninguém, e não conhecem as manhas do mendigo. São facilmente enganados. Não sabem distinguir o verdadeiro do falso mendigo. Daí o horror dos socialistas de todas as variedades à mendicidade, e Rui Rio, um social-democrata, ainda por cima educado no colégio alemão, não foge à regra.
O mendigo é uma daquelas figuras extremistas do catolicismo que deixa inseguro qualquer protestante. E, não sabendo lidar com ele, o protestante persegue-o, procura encarcerá-lo, luta pela sua extinção. E, no entanto, o mendigo, sendo uma criatura de Deus, está cá para nos mostrar que todos podemos acabar como ele, seja por falta própria, seja por escolha própria. Eu próprio, se algum dia acabar mendigo, gostaria de ser como aquele que é citado aqui.
Nas condições actuais, em que nós, os portugueses, não conseguimos pagar o nosso Estado-Providência, o mendigo está aí também para nos lembrar, em carne viva, o cânone das necessidades humanas que devem ser atendidas pelos outros, e os excessos e os abusos que nos últimos anos cometemos em nome da caridade.
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