Esta solução da austeridade não conduz a nada, excepto a mais austeridade, é um caminho sem esperança, e não vai poder manter-se. A Grécia, como o post anterior do Joaquim demonstra, já balanceia no desespero - como nós balancearemos também dentro de um ano, se nada fôr feito - entre a aceitação total de tudo aquilo que lhe querem impôr e a rejeição radical.
Os países que já baquearam perante os mercados, e que tiveram de recorrer à troika, submetendo-se às correlativas medidas de austeridade são a Grécia, a Irlanda e Portugal, e aqueles que estão agora em maior risco de o virem a fazer são a Itália, em primeiro lugar, e depois a Espanha. Estes países - os célebres PIIGS - têm uma característica em comum. São todos católicos, mais a sua irmã cultural, a cistã-ortodoxa Grécia. Os mercados especularam contra os activos cotados em bolsa destes países, e em especial contra os títulos representativos das suas respectivas dívidas públicas.
Mas os mercados que fizeram tudo isto, quem são e onde estão? Os mercados não são pessoas, no sentido de seres dotados de corpo e espírito; são processos, embora processos feitos por pessoas. E estas pessoas onde estão, quem são elas, possuem alguma característica identificável e que lhes seja comum? Sim, estão, em maioria, nos países protestantes porque é aí que estão os maiores mercados financeiros e, portanto, o dinheiro disponível para especular.
O maior mercado financeiro mundial é o dos EUA com uma capitalização bolsista (valor de todos os títulos cotados em bolsa) de 17,1 biliões de dólares. O maior da Europa é o do Reino Unido (3,1), seguido da França (1,9) - o país-fronteira entre catolicismo e protestantismo - e da Alemanha (1,4).
Para avaliar a diferença, vale a pena comparar o mercado financeiro português (82 mil milhões de dólares) com os de outros pequenos países da Europa, mas protestantes. A Suécia é um país com a dimensão de Portugal (medida em termos de população), mas o seu mercado financeiro é sete vezes maior (581). A Dinamarca é metade de Portugal, mas o seu mercado financeiro é três vezes maior (232). A Holanda é 1,5 vezes maior que Portugal, mas o seu mercado financeiro é oito vezes maior (661). Ou então, compare-se o Reino Unido com a Itália: têm a mesma população mas o mercado britânico é dez vezes maior que o italiano. Entre os PIIGS, o único mercado financeiro com alguma dimensão é o espanhol (1,2 biliões de dólares), 12º no mundo.
Admitamos que os holandeses, pertencendo a um pequeno país como nós, decidem vender todos os activos financeiros que possuem e especular contra os títulos da dívida pública portuguesa, por exemplo, shortando-os e impelindo o preço à baixa. Admitamos ainda que os portugueses, acometidos de um súbito rasgo de nacionalismo, vendem todos os activos financeiros que possuem e compram títulos da dívida pública portuguesa para os defender, impelindo o preço à alta. São 661 mil milhões de dólares a vender contra apenas 82 mil milhões a comprar. É uma luta desigual. O preço vai cair a pique, e em breve os títulos portugueses serão considerados "lixo" por uma agência de rating. Nos mercados financeiros, qualquer pequeno país dá cabo de nós. E o mesmo acontece em relação à Grécia, à Irlanda, até à Itália. O osso mais duro de roer é a Espanha, mas também acabará por caír.
Porém, é com base nas cotações que os mercados ditam para os activos portugueses, e em particular para os títulos da dívida pública, cujas cotações cairam tanto nos últimos meses ao ponto de serem agora considerados "lixo", que nos estão a ser impostas as presentes medidas de austeridade - e outras virão.
A questão importante a responder agora é a seguinte: as cotações dos mercados financeiros reflectem a verdade acerca do valor dos títulos da dívida pública portuguesa? Por outras palavras, os preços dos mercados financeiro são uma medida verdadeira do valor das coisas?
Por muito que eu vá desgostar todos os economistas liberais, e provavelmente a maioria dos economistas, a resposta é um concludente não. Voltarei a este assunto em detalhe mais tarde, mas já abri a porta à argumentação num post anterior. Os protestantes querem lá saber da verdade..., e os mercados financeiros, sendo uma instituição protestante, não são diferentes. Quem opera nos mercados financeiros, vai lá para ganhar dinheiro, não à procura da verdade - se o valor agregado da cotação a que hoje fecharam as acções do BCP corresponde ou não ao verdadeiro valor do Banco.
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