O Kant estava a falar para toda a gente, estava a falar para o mundo inteiro, significando que, na prática, não estava a falar para ninguém em particular.
Eu gosto de imaginar como seria um encontro entre o Kant, o filósofo do protestantismo, e o Tomás de Aquino, o filósofo do catolicismo. Compare A Crítica da Razão Pura com a Suma Teológica, e veja o estilo de pergunta-resposta em que Tomás de Aquino escreve. Ele está a imaginar uma pessoa sentada à sua frente, posso ser eu ou você, interrompendo-o constantemente, pondo-lhe questões, às quais ele procura dar resposta. Ele está a falar para mim e para si, e para quem quiser conversar com ele. E ele imagina todas as perguntas que o outro poderá ter para lhe pôr.
Olhe agora A Crítica da Razão Pura. Kant não está a falar nem para mim nem para si, não há perguntas nem respostas, menos ainda interrupções, ele fala livremente sem parar, e não há nada nem ninguém que o páre, ele encadeia raciocínios uns nos outros, sem se saber bem a que pergunta ou perguntas ele procura dar resposta. Ele não fala para mim nem para si, ele fala para o mundo inteiro, para todos e para ninguém em especial. Em português popular dir-se-ia que ele fala para o ar.
Eu imagino estes dois homens a encontrarem-se numa sala, num mosteiro ou num convento, ou numa igreja pietista, o Kant uma figura pequena e magra, o Aquino mais avantajado e um bocado pançudo. O Aquino tenta olhar o Kant nos olhos para lhe falar, mas o Kant permanece um pouco afastado e olha para o ar.
Nós nunca poderemos chegar à verdade, à verdadeira essência das coisas ..., diz o Kant.
Oh Emanuel, como é que tu queres chegar à essência das coisas a olhar para o ar?..., replica S. Tomás .
O caminho mais curto entre dois pontos é um recta ..., diz o Kant, enquanto desenha dois pontos no ar e, com o indicador direito percorre em linha recta a distância que os separa.
Oh Emanuel, mas olha que para chegarmos daqui à porta da rua temos de virar à esquerda na primeira ombreira, e à direita, na segunda..., diz S. Tomás, que acrescenta: em linha recta, só furando as paredes com uma picareta...
A ideia de picareta precede a picareta ..., continua o Kant sempre a olhar para o ar, e recusando fitar Aquino nos olhos.
Mas para ires buscar a picareta ali à arrecadação, tens de dar ... deixa cá ver ... uma duas, três, ... sete curvas. Nunca chegarás daqui à porta da rua sem dar curvas...
A realidade da picareta está na ideia de picareta ..., insiste Kant.
Pode ser que sim, mas experimenta escavacar a parede com a ideia de picareta, e não com uma picareta a sério, e vais ver aonde chegas..., acrescenta S. Tomás.
Nunca poderemos chegar a Deus pela razão..., continua o Kant, agora literalmente, a contemplar o céu pela janela.
Claro que não, Emanuel, a olhar para para o céu nunca mais lá chegas. Deus não se revelou principalmente através do céu, embora também se tenha revelado por aí.
Notava-se agora um certo mal estar de parte a parte. Era uma certa impaciência da parte do Aquino, e uma certa perturbação da parte do Kant. Por um momento, Aquino segurou Kant pela labita do casaco para o chegar a si, como que para o fazer descer à terra, mas a pança não deixava mais. Kant chegou a sentir a respiração de Aquino, mas utilizou a pança como propulsor para dar um salto para trás e afastar-se dele, enquanto continuava a fitar o infinito. A cena começava a tornar-se cómica para quem assistia, Aquino de mão estendida para se chegar a Kant e Kant às arrecuas a falar para o ar.
A verdade está nas ideias ..., dizia agora Kant antecipando o seu discípulo Hegel.
Não está nada,... pá, ... caraças! ... a verdade está em primeiro lugar nas pessoas... pá... e nas outras obras criadas, fosga-se!... Deus revelou-se através de uma pessoa e das outras coisas da natureza, cum carago ... através de coisas concretas ... não se revelou primeiramente através de coisas abstractas ... de ideias...
O verdadeiro Tomás de Aquino só eu o conheço ... eu e quem queira ver como eu ... só existe como ideia ... a imagem que eu estou agora a ver ..., continuava o Kant sempre a olhar para o ar, e ainda antecipando o seu discípulo Hegel.
Não é nada, pá ... esse gajo que tu estás a ver não é nada o Tomás de Aquino ... o Tomás de Aquino sou eu ... e está mesmo aqui à tua frente ... se tu quiseres olhar para ele...
Foi nesse momento que Kant pela primeira vez baixou o olhar e fitou o homem que tinha pela frente. Exclamou horrorizado, apontando-lhe o dedo indicador:
Tu não és o verdadeiro Tomás de Aquino ... tu és um impostor!
E, tendo dito isto, saiu da sala a correr, dando duas curvas, na primeira ombreira à esquerda, na segunda, à direita, até chegar à porta da rua.
Eu gosto de imaginar como seria um encontro entre o Kant, o filósofo do protestantismo, e o Tomás de Aquino, o filósofo do catolicismo. Compare A Crítica da Razão Pura com a Suma Teológica, e veja o estilo de pergunta-resposta em que Tomás de Aquino escreve. Ele está a imaginar uma pessoa sentada à sua frente, posso ser eu ou você, interrompendo-o constantemente, pondo-lhe questões, às quais ele procura dar resposta. Ele está a falar para mim e para si, e para quem quiser conversar com ele. E ele imagina todas as perguntas que o outro poderá ter para lhe pôr.
Olhe agora A Crítica da Razão Pura. Kant não está a falar nem para mim nem para si, não há perguntas nem respostas, menos ainda interrupções, ele fala livremente sem parar, e não há nada nem ninguém que o páre, ele encadeia raciocínios uns nos outros, sem se saber bem a que pergunta ou perguntas ele procura dar resposta. Ele não fala para mim nem para si, ele fala para o mundo inteiro, para todos e para ninguém em especial. Em português popular dir-se-ia que ele fala para o ar.
Eu imagino estes dois homens a encontrarem-se numa sala, num mosteiro ou num convento, ou numa igreja pietista, o Kant uma figura pequena e magra, o Aquino mais avantajado e um bocado pançudo. O Aquino tenta olhar o Kant nos olhos para lhe falar, mas o Kant permanece um pouco afastado e olha para o ar.
Nós nunca poderemos chegar à verdade, à verdadeira essência das coisas ..., diz o Kant.
Oh Emanuel, como é que tu queres chegar à essência das coisas a olhar para o ar?..., replica S. Tomás .
O caminho mais curto entre dois pontos é um recta ..., diz o Kant, enquanto desenha dois pontos no ar e, com o indicador direito percorre em linha recta a distância que os separa.
Oh Emanuel, mas olha que para chegarmos daqui à porta da rua temos de virar à esquerda na primeira ombreira, e à direita, na segunda..., diz S. Tomás, que acrescenta: em linha recta, só furando as paredes com uma picareta...
A ideia de picareta precede a picareta ..., continua o Kant sempre a olhar para o ar, e recusando fitar Aquino nos olhos.
Mas para ires buscar a picareta ali à arrecadação, tens de dar ... deixa cá ver ... uma duas, três, ... sete curvas. Nunca chegarás daqui à porta da rua sem dar curvas...
A realidade da picareta está na ideia de picareta ..., insiste Kant.
Pode ser que sim, mas experimenta escavacar a parede com a ideia de picareta, e não com uma picareta a sério, e vais ver aonde chegas..., acrescenta S. Tomás.
Nunca poderemos chegar a Deus pela razão..., continua o Kant, agora literalmente, a contemplar o céu pela janela.
Claro que não, Emanuel, a olhar para para o céu nunca mais lá chegas. Deus não se revelou principalmente através do céu, embora também se tenha revelado por aí.
Notava-se agora um certo mal estar de parte a parte. Era uma certa impaciência da parte do Aquino, e uma certa perturbação da parte do Kant. Por um momento, Aquino segurou Kant pela labita do casaco para o chegar a si, como que para o fazer descer à terra, mas a pança não deixava mais. Kant chegou a sentir a respiração de Aquino, mas utilizou a pança como propulsor para dar um salto para trás e afastar-se dele, enquanto continuava a fitar o infinito. A cena começava a tornar-se cómica para quem assistia, Aquino de mão estendida para se chegar a Kant e Kant às arrecuas a falar para o ar.
A verdade está nas ideias ..., dizia agora Kant antecipando o seu discípulo Hegel.
Não está nada,... pá, ... caraças! ... a verdade está em primeiro lugar nas pessoas... pá... e nas outras obras criadas, fosga-se!... Deus revelou-se através de uma pessoa e das outras coisas da natureza, cum carago ... através de coisas concretas ... não se revelou primeiramente através de coisas abstractas ... de ideias...
O verdadeiro Tomás de Aquino só eu o conheço ... eu e quem queira ver como eu ... só existe como ideia ... a imagem que eu estou agora a ver ..., continuava o Kant sempre a olhar para o ar, e ainda antecipando o seu discípulo Hegel.
Não é nada, pá ... esse gajo que tu estás a ver não é nada o Tomás de Aquino ... o Tomás de Aquino sou eu ... e está mesmo aqui à tua frente ... se tu quiseres olhar para ele...
Foi nesse momento que Kant pela primeira vez baixou o olhar e fitou o homem que tinha pela frente. Exclamou horrorizado, apontando-lhe o dedo indicador:
Tu não és o verdadeiro Tomás de Aquino ... tu és um impostor!
E, tendo dito isto, saiu da sala a correr, dando duas curvas, na primeira ombreira à esquerda, na segunda, à direita, até chegar à porta da rua.
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