Esta decisão de um juiz (ou juizes) do Tribunal de Trabalho de Lisboa ilustra uma ideia que tenho vindo a defender. Trata-se da ideia de que a instituição da separação ou da independepência de poderes, sendo uma instituição protestante e desenvolvida em países protestantes para resolver um problema que lhes era próprio - a divisão religiosa e, mais tarde, política - é ruinosa quando importada num país católico. Torna a governação impossível.
Existe no catolicismo um elemento cultural que está ausente do protestantismo - a ideia de personalidade. Quando a doutrina católica afirma que as pessoas são todas diferentes umas das outras e que as diferenças se sobrepõem às semelhanças, ela não se está a referir sobretudo a diferenças físicas. As diferenças decisivas são as do foro espiritual, as quais e são captadas pela ideia de personalidade.
A decisão deste juiz não é inesperada na nossa cultura - uma decisão que faz prevalecer um contrato de trabalho possuindo uma natureza essencialmente privada sobre uma lei feita pelo Governo e aprovada pela Assembleia da República. Aquilo que é certo também nesta cultura é que é possível encontrar um juiz em Portugal que sobre a mesma matéria produziria uma decisão e uma fundamentação radicalmente opostas. Mais, é possível encontrar em Portugal juizes que sobre esta matéria produziriam decisões com todas as gradações possíveis entre as duas anteriores. Se as pessoas são diferentes, por que que razão haviam as interpretações da lei de ser iguais?
A independência dos juizes junta com o personalismo católico produz uma combinação explosiva, destruindo a ideia de justiça - os mesmos casos terão resoluções muito diferentes em tribunal, de uma ponta à outra do espectro de todas as interpretações possíveis da lei. Saem desprestigiados a justiça, os juizes e os tribunais. Na realidade, o primeiro sinal num país católico de que a democracia está à beira da falência é o caos instalado no sistema de justiça.
A instituição própria de um país de tradição católica é a da concentração de todos os poderes nas mãos de um só homem, à semelhança da figura do Papa. Só existe uma interpretação da lei, a qual se confunde com esse homem. Todos os juizes são obrigados a aplicar a lei segundo aquela interpretação, e na sua aplicação possuem uma margem reduzidíssima de autonomia. Sob esta instituição é possível haver em Portugal sentido de justiça e respeito pela lei, pelos juizes e pelos tribunais. Sem ela, existirá o caos, a ingovernabilidade e a violência.
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