30 janeiro 2012

fui eu que matei

No post anterior, argumentei que os protestantes ganharam o debate intelectual da Reforma religiosa por exclusão do adversário. Eles recusaram-se a jogar com o adversário em campo, excluiram-no e, sozinhos em jogo, acabaram, obviamente, por ganhar.

Escrevi também que foram vários os pequenos episódios que ao longo de muitos anos me levaram a esta conclusão. Mencionarei aqui três deles.

O primeiro - apenas pela ordem por que é mencionado - ocorreu quando me apercebi que na reunião fundadora da Mont Pelerin Society - uma espécie de Meca do liberalismo moderno - no final dos anos quarenta, o economista F.A. Hayek sugeriu que a organização se chamasse The Tocqueville-Acton Society. Ludwig von Mises e Frank Knight opuseram-se prontamente à ideia dizendo que não queriam dar à organização o nome de dois católicos aristocratas. A oposição triunfou. A sua mensagem era clara: "Tudo menos católicos", o que numa organização liberal não deixava de ser uma ironia.

A segunda ocorreu há dois ou três anos. O jornal britânico The Telegraph publicou um artigo acerca de um assunto cujos detalhes eu já não estou bem recordado, talvez a excomunhão ou outro castigo imposto a um padre da Igreja Católica. O articulista aproveitou a oportunidade para recordar a falta de liberdade que tradicionalmente existia na Igreja, a qual ele estendia também aos países de tradição católica.

Eu fui à caixa de comentários dizer que a excomunhão do padre, ou lá o que era, não reflectia nenhuma falta de liberdade na Igreja. O padre tinha-se comprometido voluntária e solenemente a obedecer e a respeitar uma doutrina e uma instituição. Não podia agora vir falar contra ela. Aquilo que o episódio reflectia era irresponsabilidade por parte do ex-padre, não falta de liberdade na Igreja.

E, logo de seguida, pondo por baixo do meu nome o país de onde escrevia, submeti um outro comentário em que dizia que não, que em Portugal, sendo embora um país católico, não havia falta de liberdade nenhuma, talvez houvesse era excesso. Por exemplo, apesar de católico, Portugal ainda recentemente tinha tido um Chefe de Estado que era judeu. Em Inglaterra é que era diferente, um homem nascido católico estava proibido de ser Chefe de Estado, ou sequer primeiro-ministro. O comentário nunca saiu publicado.

O terceiro episódio é mais recente e tem a ver com este post. Eu cheguei lá através de um comentário da Elisabete Joaquim que escreve para O Insurgente, e onde ela me mencionava - o que, sendo raro, embora devido, aproveito para lhe agradecer. Comecei por notar a forma perfeitamente católica como ela se exprimia, começando por dizer: "Nós em Portugal também temos um autor...". Primeiro, falando no plural, ela estava a exibir o sentido comunitário que é próprio da sua cultura católica; segundo, ao anunciar que nós cá também temos disso, alguém que se ocupa das teses do Max Weber, ela exprimia o universalismo católico; finalmente, depois de apresentar a minha posição acerca do assunto, imediatamente se demarcou dela - uma manifestação típica de personalismo católico.

O autor do post é um académico americano (por ser estrangeiro, eu dei-lhe imediatamente mais importância) e o tema interessava-me muito. De maneira que fui à caixa de comentários contribuir para a discussão com um artigo que apresentara há cerca de ano e meio numa conferência numa Universidade Pontifícia em Roma. Nos dias seguintes fui lá ver se a discussão continuava, desejoso de participar. Mas não. Tudo o que obtive da parte do autor do post foi um agradecimento e a menção de um parágrafo do meu artigo que, sendo parte da Introdução, era marginal ao tema central. A discussão morreu ali. Fiquei decepcionado.

Hoje, estou convencido - a evidência assim sugere - que fui eu que matei o debate, que assim terminou inconclusivo. Um católico entrou em campo e o jogo terminou. Por que será, por que será que os protestantes se recusam a jogar com os católicos em campo?

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