“A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) – que ajuda o Ministério a gerir o sector – recomenda a Paulo Macedo que ‘baralhe e dê de novo’ centenas de especialistas para que as unidades do Estado mantenham os cuidados à população cumprindo a imposição de não recorrerem a horas extras ou a empresas de serviços médicos (…) A reestruturação proposta no estudo, de Setembro, implica dispensar centenas de especialistas (transferindo-os para o quadro da mobilidade) das valências tidas como excedentárias: cardiologia, anestesiologia, pneumologia, cirurgia, neurologia e gastro. Os cortes afectam clínicos de todo o país, com a região de Lisboa à cabeça. Só nalguns dos maiores hospitais (grupo que inclui Santa Maria e São José) sobram mais de 500 especialistas (…) E a este grupo de saída juntam-se ainda centenas de médicos cujas áreas clínicas devem, no entender da ACSS, ser extintas (…) Do lado oposto estão os hospitais cujos quadros devem aumentar face ao reforço proposto para 18 especialidades, sobretudo medicina interna, ortopedia, psiquiatria, radiologia, dermatologia, oncologia médica ou oftalmologia. E também aqui há centenas de médicos abrangidos. Só para medicina interna é proposta a contratação de mais 719 especialistas e o maior privilegiado é o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (hospitais de Penafiel e São Gonçalo).”, no semanário Expresso (página 24). Destaques meus.
Neste blogue, têm sido apresentadas as estatísticas que, ao nível europeu, dão Portugal como bem situado nas classificações do número de médicos por habitante. O problema da Saúde no nosso País não é a falta de médicos, como se deduz da leitura dos rácios relevantes, é sobretudo a sua distribuição geográfica, como o estudo técnico citado hoje pelo Expresso bem atesta. Só é pena que o Expresso não tenha mencionado qual o balanço líquido de entradas ou saídas de médicos, certamente previsto pela ACSS, mas, com tantas centenas de clínicos a sair e a entrar – e na ausência desse sempre mediático título “Faltam médicos!” –, deduzo que no balanço o saldo há-de ser próximo de zero, ou até ligeiramente negativo. Em suma, as estatísticas das entidades internacionais que acompanham estes assuntos e que quantificam a realidade nacional estarão correctas. Mas regressando à distribuição geográfica, como seria de esperar, a maior ineficiência do sistema prende-se com a excessiva concentração de médicos em Lisboa (e no Porto), sendo que a sua maior deficiência é a escassez relativa de médicos em locais como Penafiel ou noutras zonas menos apelativas do País. Afinal de contas, na ausência de incentivos, quem é que quer ir viver para a província?! Enfim, leiam de novo a peça do Expresso: “Os cortes afectam clínicos de todo o país, com a região de Lisboa à cabeça. Só nalguns dos maiores hospitais (grupo que inclui Santa Maria e São José) sobram mais de 500 especialistas”. Só nalguns!
Ora, vem tudo isto a propósito desses contratos Lesa-Pátria, as chamadas PPP’s, ao abrigo das quais o Estado prevê gastar mais de 1.000 milhões de euros em 2012 e dos quais 320 milhões serão destinados a PPP’s na Saúde. E destes 320 milhões, cerca de 60% desse valor, ou seja, quase 200 milhões referem-se a “encargos relacionados com a construção e a gestão do estabelecimento de cuidados de saúde dos novos hospitais de Braga e Loures” (página 119 da proposta de Orçamento de Estado para 2012). Pois de Braga não sei, mas em Lisboa se sobravam médicos, pelos vistos, com essa nova PPP do Grupo Espírito Santo em Loures vão deixar de sobrar ou, então, sobrarão menos!
De facto, aqui há dias, num post publicado n’O Insurgente, transcrevi parte de uma entrevista do Presidente do Conselho de Administração do Grupo Hospitalar Lisboa Norte, responsável pelo Pulido Valente e pelo Santa Maria, na qual o gestor (e médico), explicitamente, se insurgia contra a criação de um novo hospital (a PPP de Loures) no coração da zona de influência do Lisboa Norte e, implicitamente, porquanto ao abrigo de um contrato de cedência de interesse público, se insurgia contra a possibilidade de que o Grupo Espírito Santo lá pudesse recrutar 85% do seu pessoal (é da lei!) sem que este perca o anterior vínculo à Administração Pública. Ora, se na Grande Lisboa há tanta redundância de médicos especialistas é porque não há doentes que justifiquem tantos clínicos. E, portanto, se as unidades de saúde existentes na área são suficientes para satisfazer a procura, por que carga de água se estabelecerá agora aquela PPP na Saúde, financiada pelo erário público em milhões de euros, em Loures?! E, adicionalmente, quanto custa essa alegada cedência de interesse público?!
Tem a palavra, Sua Excelência, o Senhor Ministro da Saúde...
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