Portugal está a viver uma nova onda de grande emigração. Para além das estatísticas, são cada vez mais ouvidas as histórias de famílias portuguesas que vão para o Brasil, o Luxemburgo, a Suíça, a França e o Canadá, acolhidas por familiares e amigos, e à procura de trabalho.
Certo dia, no início dos anos 80, eu conversava em Nova Iorque com um jovem casal brasileiro, ele universitário e economista como eu. O Brasil atravessava então uma grave crise económica e esse período marcou o inicío de um grande fluxo migratório de brasileiros para a América do Norte. Discutimos longamente a crise económica brasileira e, no final, ele, referindo-se ao seu próprio país, rematou assim a conversa: "Pobre país que não consegue alimentar os seus próprios filhos".
Eu achei a frase emblemática, e por isso a recordo à distância de 30 anos. Tanto mais que Portugal vivia então uma crise económica parecida, ainda no rescaldo do 25 de Abril, por essa altura já tinha recorrido duas vezes à ajuda do FMI, e os portugueses também procuravam no estrangeiro ganhar a vida que não conseguiam ganhar no seu próprio país. Recordo-me até de um episódio que me deixou bastante embaraçado.
O Canadá tinha por essa altura restringido a imigração de carácter económico, admitindo-a apenas nos casos de perseguição política ou religiosa nos países de origem. Certo dia, aterrou no aeroporto de Toronto um avião da TAP com 300 portugueses a bordo que, em massa, em conluio com advogados locais (portugueses), pediram o estatuto de refugiados, alegando serem Testemunhas de Jeová e serem perseguidos em Portugal. Embora o país raramente fosse citado na imprensa canadiana, no dia seguinte fez as primeiras páginas dos jornais: "Perseguição religiosa em Portugal".
Eu não sei com que cara entrei na sala de aula nesse dia para dar uma aula a um curso de MBA constituido essencialmente por adultos, e que naturalmente me interrogaram sobre o assunto. Expliquei-lhes que era falso existirem perseguições religiosas em Portugal. Mas tive grande dificuldade em explicar-lhes o que era a figura do "chico-esperto" (uma figura distintamente católica), porque essa figura não existe na cultura canadiana, e os que existem estão na cadeia. Como quer que fosse, eu lembrei-me daquela frase emblemática do meu colega brasileiro: "Pobre país que não consegue dar de comer aos seus próprios filhos".
Eu já assisti na minha vida a três vagas de emigração em Portugal. A primeira foi nos anos 60 e dizia-se que a culpa era do regime do Salazar (e, então, não é que eu acreditei nessa patranha durante muito tempo?); a outra foi no final dos anos 70, princípios dos anos 80; e, finalmente, a presente vaga. Suponho que estas duas últimas não foram culpa do Salazar.
Não, não foram, nem estas nem a anterior. Todas estas três vagas de emigração, mais todas aquelas que recorrentemente existiram ao longo da história de Portugal, foram culpa de uma causa muito diferente - a cultura católica - e é essa cultura que, também de forma recorrente, gera ondas de emigração no Brasil, na Itália, no México, enfim, em todos os países de tradição católica. Os protestantes não emigram, certamente que não em vagas.
Um país de cultura católica - que quer dizer universal -, volta não volta, tem de gerar condições (v.g., instabilidade política, crises económicas) para mandar para o estrangeiro uma boa parte dos seus filhos. São estes que vão ver aquilo que se passa no estrangeiro para, mais tarde, trazerem para o país. Só assim a sua cultura se mantém universal. A emigração é uma lei cultural dos países de tradição católica. Não há nada a fazer e nada acrescentam os lamentos de "Pobre país..." (excepto, talvez, para dizer que esta é também uma cultura em que o povo gosta de se lamentar). Volta não volta, há uma vaga de emigração. A própria cultura se encarrega espontaneamente de cozinhar as razões para que ela aconteça.
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