O liberalismo moderno é, em primeiro lugar, um enorme preconceito contra a Igreja Católica e o catolicismo.
Quem conhecer os principais autores liberais modernos, encontrará em todos eles, de forma consensual, aquilo que constitui a temática central do liberalismo - a condenação da intervenção do Estado na vida económica e social, e a defesa das instituições voluntárias ou espontâneas. Aquilo que nunca encontrará, entre os vários exemplos de instituições espontâneas que são invocados pelos autores liberais (empresas privadas, associações cívicas, partidos políticos, etc), é a mais antiga, a maior e a mãe de quase todas as instituições espontâneas da nossa civilização - a Igreja Católica.
Que mistério era este que levava os autores liberais modernos, na sua condenação do carácter coercivo do Estado, e na sua exaltação das instituições voluntárias ou espontâneas, que mistério era este, dizia, que os levava sistematicamente a omitir ao mundo a mais importante de todas elas? Tudo começou por aqui.
A verdade revela-se em pequenas peças ao longo do tempo, pequenos episódios que se vão revelando ao longo dos anos e que, um dia, quando postos em conjunto, surpreendentemente fazem luz sobre a realidade. O meu autor liberal preferido era Hayek. Eu sabia, num dos seus livros mais célebres (The Constitution of Liberty, 1960), que Hayek considerava Tocqueville e Lord Acton os dois maiores liberais de sempre. Aquilo que eu não sabia é que na constituição da Mont Pelerin Society em 1947, que é uma instituição-ícone do liberalismo moderno, Hayek tinha sugerido que a sociedade se chamasse The Tocqueville-Acton Society, e que a sua sugestão foi vetada por Ludwig von Mises e Frank Knight (o pai da chamada escola económica de Chicago), sob o argumento deste último de que "Não iam agora dar à sociedade o nome de dois aristocratas católicos...".
Fiquei surpreendido. A Universidade nasceu como uma instituição espontânea fundada pela Igreja Católica (mais uma), uma instituição que tinha como finalidade reunir pessoas, mestres e alunos, irmanados pelo desejo comum de chegarem à Verdade. Ora, estes eram universitários do mais alto calibre (vários dos presentes nessa primeira reunião da Mont-Pelerin Society viriam a receber o Prémio Nobel da Economia). Não era aceitável que a discussão procedesse a este nível, que Tocqueville e Acton fossem excluídos de dar o nome à sociedade só porque eram católicos. Se estes universitários andavam à procura da Verdade era uma Verdade amputada, uma verdade que parecia excluir o catolicismo.
Eu fui procurando e coleccionando, ao longo do tempo, episódios semelhantes a este na vida e na obra dos principais autores liberais modernos, e a conclusão a que ia chegando era invariavelmente a mesma: "A Igreja Católica e o catolicismo são sempre excluidos. Quem fôr católico neste meio não tem futuro". Até que um dia, por ocasião da publicação de um estudo norte-americano que elegia Ludwig von Mises, Hayek, Friedman, Rothbard e Ayn Rand como os principais autores liberais do século XX, autores cuja vida e obra eu conhecia bem, resolvi dar uma nova olhadela à questão. O que é que estes autores tinham em comum, e que me tinha escapado até à data? De repente, fez-se luz. Eram todos judeus. Com uma única excepção, Hayek, que se viria a revelar o caso mais interessante de todos.
Eu julgo que hoje seria capaz de escrever uma biografia de Hayek a uma luz inteiramente nova. Teria o título: "Um caso de gato escondido com rabo de fora: como é que Hayek escondeu durante toda a vida o seu catolicismo" e não teria dificuldade em persuadir os meus leitores, perante a evidência, que sem esconder o seu catolicismo, Hayek - que no auge da sua carreira sempre se disse agnóstico e chegou mesmo a sugerir que tinha uma costela judaica - nunca teria feito a carreira que fez, primeiro na London School of Economics, depois na Universidade de Chicago, e muito menos alguma vez teria recebido o Prémio Nobel da Economia.
Quando no início dos anos 60, Hayek, já com mais de 60 anos de idade e um enorme prestígio académico, regressou à Europa, permaneceu para mim um mistério porque é que ele aceitou uma posição na pouco conhecida Universidade de Freiburg na Alemanha, quando teria a porta aberta em qualquer das maiores universidades europeias. Mais tarde, o mistério foi desvendado. A cidade de Freiburg e a respectiva universidade são dois bastiões do catolicismo no meio da muito protestante Alemanha. Hayek, o intelectual católico, numa universidade católica, a de Freiburg (repare-se no nome), onde viveu os seus últimos anos. Pelo meio passou também alguns anos na Universidade de Salzburgo (igualmente católica).
Já numa fase avançada da sua carreira, quando lhe perguntaram qual considerava ser a ideia mais original que tinha tido em Economia, respondeu que era a ideia da desnacionalização do dinheiro, a ideia de vários bancos emissores privados, actuando em regime de concorrência. Nunca lhe ocorreu, nem ninguém nunca lhe disse, que num pequeno país católico - Portugal - a sua ideia original tinha sido praticada um século antes, por um período de cerca de cinquenta anos (com maus resultados, por sinal), e que mesmo à data em que lhe foi atribuído o Prémio Nobel (1974) o banco emissor desse país - embora na altura já único e, portanto, monopolista - continuava a ser privado. Que concluir daqui? Que para a seita liberal, tudo o que era católico não contava, era como se não existisse.
Ao aproximar-se do final da vida, disse numa entrevista que, se optasse por uma religião, optaria pela religião católica ("because, at least, it contains the articles of the faith"). Antes de morrer, aceitou receber os sacramentos de um bispo católico seu amigo, que presidiu também ao seu funeral católico. Está sepultado em Viena, a capital da católica Austria, que foi também onde nasceu, filho de uma família católica de académicos.
Nesta altura, e depois de vários episódios como este que não interessa aqui referir, eu julguei que me estava a aproximar rapidamente da verdade: "Para o liberalismo moderno, o catolicismo está proibido". Mas a questão essencial permanecia: Porquê? Eu não ficaria satisfeito em concluir apenas que o liberalismo moderno é uma espécie de conspiração judaica contra o catolicismo (em todo o caso, seria mais exactamente uma conspiração judaico-protestante, e não apenas judaica).
Em lugar de me ficar por aqui, decidi estudar a doutrina católica principalmente nos seus aspectos económicos, sociais e políticos (daí o meu catolicismo excessivamente intelectualizado, e mais sociológico do que religioso). Passado um tempo, eu tinha a resposta final ao mistério. O liberalismo não quer ouvir falar do catolicismo, nem de longe, porque é no catolicismo que está a Verdade.
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