O deslumbramento com que o Evelyn Waugh descreve aqui o seu encontro com o Catolicismo é o mesmo que se encontra no Chesterton, ambos vindos do Anglicanismo. E em que é que consiste essa maravilha que o Catolicismo tem e que nenhuma outra doutrina possui, que sentimento é esse que o Catolicismo inspira e que mais nenhuma outra doutrina inspira? Waugh di-lo explicitamente, como Chesterton já o havia dito cerca de trinta anos antes dele. É o sentimento de Liberdade e de Aventura.
O Catolicismo é a única doutrina produzida pelo pensamento Ocidental que permite a um homem experimentar tudo aquilo que há na vida, tirar partido de tudo aquilo que a vida tem para oferecer. É muito provavelmente a doutrina mais permissiva que a mente humana já produziu. Mesmo se aparenta exactamente o contrário, que é o de ser uma doutrina muito proibicionista.
Um dia, para testar, esta ideia, coloquei-me a seguinte questão. O Catolicismo visa acima de tudo chegar à Verdade. Será, então, que esta doutrina que tem como objectivo a Verdade, permite a mentira? Porque se o Catolicismo permite a mentira - o exacto oposto da sua finalidade suprema - então ele há-de permitir tudo. E fui ao Catecismo procurar a resposta. E a resposta é que o Catolicismo permite a mentira. O Catecismo explica que a mentira é sempre um pecado, mas existem circunstâncias em que é um mero pecado venial, e por isso facilmente desculpável, como no caso da mentira piedosa, ou quando estiverem em causa outros valores superiores, como a vida.
Posso matar? Claro que posso, desde que seja nas circunstâncias adequadas (v.g., legítima defesa ou para proteger a vida de outras pessoas) e com equilíbrio ou parcimónia (não necessito de cortar o agressor às postas). Posso fazer uma revolução? Oh, se posso, desde que se cumpram as condições descritas no Catecismo. Não apenas posso fazer revoluções, como devo fazê-las, desde que essas condições sejam cumpridas. Quem gosta de fazer revoluções, o melhor que tem a fazer é visitar países católicos à procura dessas condições serem cumpridas. O Catolicismo é o reino próprio dos revolucionários.
É esta ideia de que não há nada no mundo que esteja vedado a um homem, que inspira esse sentimento de enorme liberdade a quem encontra o Catolicismo pela primeira vez. Quem vem do proibicionismo protestante - como o Chesterton e o Waugh -, e chega ao Catolicismo fica deslumbrado. Posso beber álcool? À vontade, desde que seja nas circunstâncias adequadas (v.g., não beba em jejum) e com equilíbrio (não beba a garrafa toda num dia). Posso fumar? Claro que pode, nas circunstâncias adequadas (não fume junto a pessoas a quem o fumo incomoda) e com moderação (não fume cinco maços por dia). Tudo, nas Circunstâncias adequadas e com Equilíbrio (TCE) é o lema do Catolicismo.
Quando um homem descobre que pode fazer tudo na vida, que pode tirar partido de tudo aquilo que a vida tem para oferecer, deixam de existir limites. Ele sente que o mundo é seu, e que o mundo está ali somente à espera que ele o descubra. Daqui resulta o sentimento de Aventura, que o Catolicismo inspira e que acompanha o de Liberdade. A vida passa a ser uma aventura e, consequentemente, uma descoberta permanente. A cada passo, um homem fica maravilhado com as surpresas da vida.
Ainda há meses, quando viajei a pé para Fátima, eu fiquei muitas vezes maravilhado. A certa altura, falei com o Sol. Eu nunca tinha falado com o Sol e se me tivessem perguntado, há uns anos atrás, se era possível a um homem racional falar com o Sol, eu teria respondido rotundamente que não. A verdade, porém, é que, pela primeira vez na minha vida, eu falei com o Sol. Foi no segundo dia da minha viagem, pela manhã, ali por alturas de Estarreja. Se o Sol me respondeu? Fez muito mais do que isso. Foi Ele que meteu conversa comigo.
E o que dizer daquela outra descoberta que fiz durante a mesma viagem - a descoberta do que é a virilidade? Na minha idade, já avô, eu estava convencido que a viridade era um atributo masculino com um conteúdo exclusivamente sexual. Mas não é. É muito mais do que isso. Também pode incluir isso, mas é muito mais do que isso. É fazer uma grande coisa - a última coisa - por uma mulher. E isso, embora possa acontecer numa relação sexual, não tem só que acontecer aí. Pode acontecer a penar por ela durante uma viagem a Fátima.
Daqui resultou uma outra descoberta ainda mais maravilhosa e desconcertante - a da virilidade dos padres. Os padres hão-de experimentar a suprema virilidade, uma virilidade total, de peito-cheio, permanente. É a virilidade que resulta daquela vida de sacrifícios e de renúncias, algumas que parecem sobre-humanas, que eles levam por amor a uma Mulher - a Igreja. A virilidade dos padres em relação à sua Mulher, que é uma virilidade sobretudo espiritual, e que não tem nada de sexual ou físico, é o cume da virilidade. Foi essa virilidade que eu descobri enquanto caminhava para Fátima.
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