29 julho 2011

está noutro sítio

O Anders Breivik matou por ideologia. Um produto típico da cultura dele, que eu tenho referido aqui como o protestantismo germânico ou luterano. O manifesto que ele deixou na internet mostra um homem estudioso, meticuloso, articulado, racional. Cita familiarmente muitos autores modernos - Marx, Marcuse, Adorno, Burke, ... - e conhece as suas respectivas biografias. Todos os autores que cita, e são numerosos, pertencem à sua cultura - a protestante. Existe uma excepção, um ideólogo de cultura católica, porque a cultura católica - para ser verdadeiramente universal - tem de ter de tudo, imita tudo, por isso também há-de ter os seus ideólogos. Só que estes permanecem raridades, excepções, não fazem massa. Refiro-me a Antonio Gramsci.

O inimigo ideológico do Breivik é o "marxismo cultural" porque o "marxismo económico" ele considera-o morto pela experiência soviética. O "marxismo cultural" exprime-se através do socialismo-democrático, de que o Partido Trabalhista é o intérprete na Noruega (em Portugal, o alvo do Breivik seria, em primeiro lugar, o PS, seguido de perto pelo PSD).

O "marxismo cultural" manifesta-se através de várias políticas e atitudes culturais: o multiculturalismo, as ideologias do género, o relativismo cultural, o feminismo, a tolerância ao divórcio, ao aborto e à pornografia, a desvalorização da autoridade, etc. O islamismo merece particular atenção ao Breivik porque é a mais numerosa comunidade imigrante no Ocidente e, segundo ele, a mais perigosa, constituindo de longe a maior ameaça à civilização Ocidental.

Embora o seu inimigo principal, em termos ideológicos, seja Marx, Breivik, no essencial, comporta-se como um verdadeiro marxista. Tal como Marx, Breivik vê a sociedade como uma luta (o mesmo com Hitler: Mein Kampf, A Minha Luta). Para Marx era uma luta entre capitalista e proletários, para Breivik é uma luta entre inimigos e defensores da civilização Ocidental. Tal como Marx (ou Hitler), também para Breivik a luta só pode acabar com uma vitória total de uma das partes, aniquilando a outra. O recurso à violência - e à violência de massa, porque o inimigo é um inimigo de massas - torna-se inevitável. Tal como Marx (ou Hitler), Breivik publica um Manifesto. Nele, é identificado o inimigo, definidos os objectivos e as estratégias e é feito o apelo a uma guerra sem quartel, até ao esmagamento total.

Esta cultura a que o Breivik pertence mata por ideias. É uma cultura que acredita que a verdade está no intelecto, na razão humana (Kant). É uma cultura racionalista. É esta cultura que produz os intelectuais, e o Breivik é um intelectual, e um intelectual que vai ficar para a história. Não porque as ideias sejam originais, mas por aquilo que as ideias o levaram a fazer.

Então, mas a Verdade não está na razão humana, no intelecto? Não, não está. Só uma pequena parte está aí e é a parte mais superficial. A maior parte, e a mais profunda, está noutro sítio. Mas que Verdade é essa - a do intelecto ou da razão humana - que conduz directamente à morte em massa? Que verdade tinha Breivik para se comportar exactamente como Marx e Hitler, precisamente as duas figuras que ele mais abomina?

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