23 abril 2011

a populaça não é simplória

Gostaria de alertar os escribas que se dedicam a dizer mal do que a populaça pensa sobre a democracia e mal sobre o que a populaça pensa do Salazar sobre a fragilidade de dois argumentos que têm vindo a ser invocados:

1. Se não tivesse havido 25 de Abril estaríamos muito pior.
2. Os portugueses vivem muito melhor do que em 1974 e portanto não podem ter assim tantas razões de queixa.


Sem pretender ignorar a turba belicosa que tem esgrimido estas alegações, permitam-me que destaque dois eminentes autores. José Couto Nogueira, que invoca o primeiro argumento num artigo intitulado “Otelo, a tragédia”, e Manuel Villaverde Cabral, que invoca o segundo argumento, nesta entrevista ao Ionline.

Eis a retórica de José Couto Nogueira:
Talvez a melhor maneira de apreciar o que temos seja imaginar como seria se não tivesse havido o 25 de Abril. Como estaríamos agora distantes da Europa, com passaportes que só dariam para ir a 12 países, com quatro anos de serviço militar obrigatório, com a indústria retrógrada, o ensino exclusivista e anquilosado, as conversas em família na televisão, a inquisição da moral e dos bons costumes, os livros proibidos, a verdade é só uma, o sr. dr. e a sua Excelência Meritíssima, manda quem pode e obedece quem deve. Os anos de chumbo a cobrir-nos ainda, como uma carapaça lúgubre e tenebrosa. As colónias em guerra permanente há 50 anos com todos os países limítrofes, agora apoiados pela China e pela África do Sul, com núcleos de colonos sitiados a precisar dos contingentes da metrópole para proteger petróleo e diamantes.

Julgo que não será necessário nenhum bacharelato em sociologia para explicar que o tempo não pára, nem volta para trás. O cenário descrito pelo autor, não se aplica a 2011, mesmo que Salazar ainda fosse vivo. Com o devido respeito, estamos perante um exercício despudorado da mais pura demagogia.

Relativamente ao segundo argumento, de que não estamos assim tão mal, nem devíamos ter tantas razões de queixa. É necessário ignorar a natureza humana para o invocar. Todos querem melhorar a sua condição e todos desejam para os filhos uma vida melhor do que a que tiveram. Uma vez que estas espectativas estão a sair frustradas, temos razões de sobra para nos queixarmos.
Manuel Villaverde Cabral, não compreendendo este fenómeno, conclui que os portugueses se queixam porque são neurasténicos. Mais uma vez, com o devido respeito, um exercício monumental de demagogia ou uma idiossincrasia ininteligível para o comum dos mortais. 

A populaça pode ser simples mas não é simplória e, no meu ponto de vista, não se deixa levar por estes argumentos.

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