17 abril 2011

palavras

Quando há cerca de seis anos, tinha o governo de José Sócrates tomado posse, eu ouvi na rádio, ao volante, que o governo iria construír um novo aeroporto em Lisboa, eu não me deixei impressionar. "Onde é que eles vão buscar o dinheiro?", perguntei-me, pois esses eram tempos em que o Estado já não tinha dinheiro.

Eu nasci em Alvalade, Lisboa, em meados da década de 50 e já nessa altura se falava num novo aeroporto para a cidade. Seria na "outra banda", dizia-se. E lembro-me de o meu pai se queixar por vezes que tinha acordado às seis da manhã com o avião que chegava de Luanda. Eu próprio me punha à janela a ver chegar os aviões. Mais tarde, quase quarenta anos depois, voando eu todas as semanas a partir do Porto, quando o avião se fazia à pista na Portela, com a Avenida da Igreja pela direita, eu deitava uma olhada para ver se via a minha mãe à janela. E, às vezes, via-a.

Nessa altura eu já estava convencido que um novo aeroporto para Lisboa não é nenhuma prioridade, e menos ainda uma comodidade. Só quem nunca viajou por aeroportos realmente movimentados pode acreditar que Lisboa necessita de um novo aeroporto. Além disso no princípio dos anos 80 eu tinha observado uma experiência interessante a este respeito no Canadá. A cidade de Montreal tinha uma aeroporto antigo no centro da cidade (Dorval), que se dizia estar saturado. Por isso, acabara de se construír um grandioso aeroporto em Mirabel, a cerca de 50Km da cidade.

Ninguém queria voar para lá, e só alguns vôos transatlânticos o faziam, como a TAP a partir de Lisboa. Hoje, o então grandioso e moderníssimo aeroporto de Mirabel está fechado e o aeroporto que continua a funcionar é o de Dorval, no centro da cidade, hoje chamado aeroporto Pierre Elliot Trudeau. Mirabel foi um dos mais gigantescos elefantes brancos que vi em toda a minha vida.

Nos últimos seis anos, discutiu-se extensivamente em Portugal, em todos os meios de comunicação, o novo areporto de Lisboa. Logo surgiram várias propostas - Ota, Alcochete, Portela mais Um. Discutiram-se a intensidade dos ventos, a humidade, o urbanismo, o ambiente, e a pressão atmosférica em cada um destes locais. Às tantas foi decidido que o aeroporto seria na Ota. Um ano depois mudou-se para Alcochete. A discussão foi levada à exaustão até todos os protugueses ficarem cansados de ouvir falar no aeroporto. Como se já o tivessem.

Aeroporto ... é que nada.

Esta é uma cultura que vive de palavras e que se satisfaz pelas palavras. É uma cultura onde as palavras são mais importantes que a concretização, e são independentes da concretização. É uma cultura feminina.

Sem comentários: