Há meia dúzia de anos li uma entrevista, no Público, com um alto responsável pelo sector da oncologia em Portugal. Li-a uma vez, li-a duas vezes, li-a três vezes e não queria acreditar no conteúdo.
Em resumo, a pessoa em causa, que eu não conhecia, afirmava que os recursos para a oncologia tinham de ser aumentados porque não chegavam para tratar todos os doentes.
A situação era tão dramática que, afirmava-se, alguns doentes eram avaliados ainda numa fase em que o cancro podia ser curado mas, por carência de meios, ficavam à espera de serem chamados para tratamento, tanto tempo que quando voltavam já eram incuráveis e restava-lhes aguardarem pela morte.
O entrevistado lamentava-se pelo sofrimento moral dos médicos que se despediam dos doentes, na consulta, dizendo-lhes que tinham tudo pronto e que só tinham de aguardar pela respectiva convocatória para o internamento, sabendo perfeitamente que quando os chamassem, decorridos alguns meses, a situação seria terminal.
Recortei a notícia e guardei-a, mas continuava estarrecido com as declarações que tinha lido.
Que tipo de organização e de pessoas era capaz de um comportamento destes. Os médicos tinham pelo menos a obrigação moral e profissional de informar os seus clientes de que o atraso lhes seria fatal. Penso que, na entrevista, o tal responsável afirmava que os doentes não tinham meios financeiros para serem tratados no sector privado e que os médicos os mantinham na ignorância por piedade.
Incrédulo que isto se pudesse estar a passar em Portugal, anexei o recorte do jornal a uma nota pessoal e remeti o assunto para a Provedoria de Justiça. Só tomar conhecimento da gravidade destes factos e nada fazer já era intolerável, apesar de estar perfeitamente consciente de que as repercussões desta minha atitude se poderiam voltar contra mim.
Decorridos uns meses, recebi um ofício da Provedoria explicando que tinham remetido o assunto para o Ministro da Saúde.
Em seis anos muita coisa mudou. O orçamento da saúde disparou para 11% do PIB e a oferta de serviços alargou-se. Penso que a situação descrita já pertence ao passado (embora a um passado muito recente), contudo julgo que serve para demonstrar como um monopólio de Estado, o SNS, se pode tornar perverso e moralmente corrupto.
A liberdade de escolha dos cidadãos, na saúde, é um bem em si. É um direito inalienável porque sem essa liberdade de escolha não podemos defender a vida. Este episódio é suficientemente demonstrativo.
Aos que possam argumentar que a liberdade de escolha implica custos adicionais, só tenho a responder que se cortem benefícios para manter o equilíbrio orçamental. Agora, privar um cidadão de escolher os seus médicos e as instituições onde pretende ser tratado é um erro crasso e uma imoralidade absoluta.
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