A democracia moderna de carácter universal é uma criação da cultura protestante e assenta em princípios da cultura protestante que a tornam de difícil aplicação nos países de tradição católica. Um dos principais é o princípio do Estado de Direito ou The Rule of Law (A Regra da Lei), segundo o qual a Lei é soberana, está cima de todo os homens, e todos os homens são iguais perante a Lei.
Este princípio assenta na concepção individualista do protestantismo, e que se opõe à concepção personalista do catolicismo. Existem diferenças e semelhanças entre os homens. O protestantismo considera que as semelhanças prevalecem sobre as diferenças, pelo que cada homem é essencialmente igual a todos os outros, um mero indivíduo. Para o catolicismo, as diferenças prevalecem sobre as semelhanças. Cada homem é um ser único e insubstituível, dotado de uma personalidade própria que o diferencia de todos os outros. Na concepção protestante todos os homens são iguais aos olhos de Deus, ao passo que na concepção católica cada homem é diferente, e a diferença está na sua personalidade. Se para o protestantismo cada homem é um mero indivíduo, para o catolicismo ele é uma verdadeira pessoa.
O personalismo católico, quando levado ao exagero, conduz a um vício, que é o do excepcionalismo católico, e que se pode enunciar assim: se eu sou diferente de todos os outros, então aquilo que se aplica aos outros não se aplica a mim. Este vício corrói pela base a ideia do Estado de Direito ou da Regra da Lei, em que assenta a democracia. Porque aquilo que cada homem ou grupo vai fazer perante uma Lei aprovada para valer para todos, é o de encontrar uma razão por forma que a Lei não se aplique a ele. E isto é fatal para a democracia, porque destrói o sentimento de justiça.
Assim, logo depois de instaurada a democracia em Portugal em 1974, os deputados aprovaram no Parlamento um regime de segurança social e de reformas aplicável a todos os portugueses. Mas a segunda coisa que fizeram, logo a seguir a isso, foi aprovar um regime de excepção para eles próprios, segundo o qual ao fim de oito anos (entretanto aumentados para doze) de trabalho no Parlamento teriam direito a uma reforma vitalícia.
O regime geral de pensões de reforma concede a cada cidadão português o direito apenas a uma pensão de reforma, mesmo que tenha tido vários patrões ao longo da vida. Porém, na esfera do Estado, as excepções abundam. O nosso Presidente da República é, neste aspecto, um infeliz exemplo paradigmático. Tem direito a quatro reformas, como professor universitário, como consultor do Banco de Portugal, como primeiro-ministro e como Presidente da República, embora em toda a sua vida só tenha tido um patrão – o Estado.
Mais recentemente, a lei que impunha a redução dos vencimentos no sector público em Janeiro, fez surgir numerosos grupos – juízes, CGD, Governo Regional dos Açores, TAP – que logo inventaram uma excepção para se eximirem ao cumprimento da Lei. E alguns conseguiram. Não há sentimento de justiça que resista ao excepcionalismo católico.
(Publicado no jornal "A Ordem")
Este princípio assenta na concepção individualista do protestantismo, e que se opõe à concepção personalista do catolicismo. Existem diferenças e semelhanças entre os homens. O protestantismo considera que as semelhanças prevalecem sobre as diferenças, pelo que cada homem é essencialmente igual a todos os outros, um mero indivíduo. Para o catolicismo, as diferenças prevalecem sobre as semelhanças. Cada homem é um ser único e insubstituível, dotado de uma personalidade própria que o diferencia de todos os outros. Na concepção protestante todos os homens são iguais aos olhos de Deus, ao passo que na concepção católica cada homem é diferente, e a diferença está na sua personalidade. Se para o protestantismo cada homem é um mero indivíduo, para o catolicismo ele é uma verdadeira pessoa.
O personalismo católico, quando levado ao exagero, conduz a um vício, que é o do excepcionalismo católico, e que se pode enunciar assim: se eu sou diferente de todos os outros, então aquilo que se aplica aos outros não se aplica a mim. Este vício corrói pela base a ideia do Estado de Direito ou da Regra da Lei, em que assenta a democracia. Porque aquilo que cada homem ou grupo vai fazer perante uma Lei aprovada para valer para todos, é o de encontrar uma razão por forma que a Lei não se aplique a ele. E isto é fatal para a democracia, porque destrói o sentimento de justiça.
Assim, logo depois de instaurada a democracia em Portugal em 1974, os deputados aprovaram no Parlamento um regime de segurança social e de reformas aplicável a todos os portugueses. Mas a segunda coisa que fizeram, logo a seguir a isso, foi aprovar um regime de excepção para eles próprios, segundo o qual ao fim de oito anos (entretanto aumentados para doze) de trabalho no Parlamento teriam direito a uma reforma vitalícia.
O regime geral de pensões de reforma concede a cada cidadão português o direito apenas a uma pensão de reforma, mesmo que tenha tido vários patrões ao longo da vida. Porém, na esfera do Estado, as excepções abundam. O nosso Presidente da República é, neste aspecto, um infeliz exemplo paradigmático. Tem direito a quatro reformas, como professor universitário, como consultor do Banco de Portugal, como primeiro-ministro e como Presidente da República, embora em toda a sua vida só tenha tido um patrão – o Estado.
Mais recentemente, a lei que impunha a redução dos vencimentos no sector público em Janeiro, fez surgir numerosos grupos – juízes, CGD, Governo Regional dos Açores, TAP – que logo inventaram uma excepção para se eximirem ao cumprimento da Lei. E alguns conseguiram. Não há sentimento de justiça que resista ao excepcionalismo católico.
(Publicado no jornal "A Ordem")
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