O Joaquim chama a atenção neste post para uma característica da cultura portuguesa - o locus exterior da responsabilidade ou da culpa - e que se exprime no adágio popular segundo o qual em Portugal "a culpa morre sempre solteira".
Quem observou ontem o debate parlamentar e as declarações dos líderes partidários, poderá ter notado que aquilo que era constante no discurso de cada um deles era que a responsabilidade ou a culpa (utilizo aqui os dois termos como sinónimos) pela situação portuguesa actual não pertencia a nenhum deles, mas inteiramente aos outros. O debate e as declarações foram uma atribuição mútua de culpas e, na minha opinião, quem se saíu melhor - mas não por acaso - foi Manuela Ferreira Leite e a deputada do PEV.
O locus exterior da responsabilidade ou da culpa é uma característica da personalidade feminina num país de cultura católica, e tem origem no mistério de Maria e no ênfase que o catolicismo põe na figura da Virgem. Quem já viveu o tempo suficiente com uma mulher sabe, por experiência, que todos os problemas que ocorrem no casal e, mais geralmente, na família, são aos olhos da mulher, culpa do homem. A criança estava a brincar, caíu e bateu com os queixos no chão. A culpa é do pai, que estava a ler o jornal e devia estar a tomar conta dela.
O problema da responsabilidade e da culpa põe-se na cultura católica, de forma paradigmática, na gravidez de Maria. Quem é o responsável por aquela gravidez, de quem é a culpa por Ela estar grávida? A resposta que o catolicismo deu a esta questão - um milagre de Deus - isentou Maria. A responsabilidade não é dela, não existe culpa nela. A Mulher não é culpada, a responsabilidade ou a culpa é exterior a ela, e pertence por inteiro a Deus, que é uma figura masculina. A responsabilidade é do Pai.
O debate parlamentar e as declarações dos líderes mostraram também porque é que a actual crise em Portugal não vai poder ser resolvida com estas figuras políticas, que exibem sem disso se aperceberem, valores que são genuinamente femininos. A assumpção da responsabilidade e da culpa é, na cultura católica, um valor eminentemente masculino. Por isso, a crise só poderá ser resolvida quando aparecer alguém de fora do actual quadro partidário, e que diga assim aos portugueses: "A culpa da situação é toda minha, porque não deitei a mão a isto há mais tempo". Se fôr português, será um homem. Mas pode ser a senhora Merkel que, embora mulher, provém de uma cultura que exibe os valores masculinos ao exagero - a cultura luterana.
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