05 fevereiro 2011

truly a surreal summit

Pois, então, parece que a Cimeira dos Ministros da Zona euro não correu nada bem. Nem podia. A Alemanha e a França entraram de chancas e estatelaram-se. Para a próxima, que não tentem ser mais espertos que os outros...
Durante a semana já a agenda franco-germânica fora divulgada, a conta gotas, sem aparente concertação com os restantes 15 países da zona euro, e consistia essencialmente no seguinte: a) igualar a idade de reforma de todos os países à idade de reforma alemã, ou seja, aos 67 anos; b) desindexar a evolução dos salários à inflação (passando a fazê-lo em função da produtividade) e; c) uniformizar o IRC, abolindo a concorrência fiscal no seio da união monetária. Infelizmente, a forma pouco diplomática como a coisa foi apresentada - "take it or leave it" - só podia dar para o torto e, enfim, como Cavaco na hora da vitória, também Merkel e Sarkozy foram pouco generosos e magnânimos para com os vencidos. O resultado foi a balbúrdia instalada, uma nova reunião lá para Março e um momento de comédia do nosso estimado PM.
Quanto à substância da questão, parece-me que a parceria franco-germânica vai acabar mal...Pela simples razão de que, aquela agenda, não serve os interesses da zona euro; serve, sim, os interesses da Alemanha e pouco mais. Mas primeiro, e antes do resto, o ridículo papel da França. Ora, tendo em conta que o primeiro ponto daquele Pacto de Competitividade diz respeito à idade da reforma, parece-me extraordinário que Sarkozy, em bicos de pés (ou melhor, sobre sapatos de saltos!), tenha a ousadia de co-apresentar a dita agenda de Merkel quando, ainda há bem pouco tempo, mal conseguiu aumentar a idade de reforma dos franceses de 60 para 62 anos de idade...bem longe dos 67 dos alemães e até dos nossos 65. Segundo, a concorrência fiscal. Por favor, não esqueçamos que é precisamente através da concorrência fiscal que alguns países têm mantido (e aumentado) a sua competitividade no seio da zona euro. E não se trata somente da Irlanda. Entre os principais competidores pela via fiscal, contam-se, também, o Luxemburgo e a Holanda, que, em conjunto com a Irlanda, geram um considerável excedente comercial, apenas ultrapassado pela all-mighty Germany. Ou seja, a área fiscal dificilmente será objecto da revisão estrutural desejada pela Alemanha e pela França. Por fim, terceiro ponto, esta agenda de germanização preconizada por quem tem o dinheiro, sendo racional, vai contra os hábitos, costumes e culturas de quem dele neste momento necessita. Por outras palavras, portugueses, espanhóis, irlandeses e gregos - estes sim, menos inteligentes, mas mais espertos que os outros -, hoje, até podem dizer que sim porque não têm alternativa, porém, mais cedo ou mais tarde regressarão aos velhos truques. Em suma, nesta fase crucial do projecto europeu, não existindo uma solução de futuro, não existirá uma solução sensata. E essa ausência de sensatez seria reveladora de uma tremenda falta de europeísmo. Se é para isto, para chegarmos a este federalismo encapotado e dissimulado, então, que se tenha a coragem de pôr o federalismo ao escrutínio da população europeia, como deve ser.
Enfim, já li, algures na imprensa, que Merkel vê esta crise como a reedição da unificação alemã do pós-Muro de Berlim. Se assim é, e se Merkel pensa que poderá resolver o problema do mesmo modo que Kohl o fez internamente nos anos 90, então, creio que não estaremos muito distantes de um irremediável colapso da moeda única. É que de duas coisas eu estou certo: por um lado, a Alemanha não deve, de facto, ficar com o ónus exclusivo da irresponsabilidade orçamental, financeira e creditícia do resto da união, mas; por outro lado, a Alemanha não deve, também, esmifrar de tal modo o resto da união, esperando que, pelo caminho, todos nos tornemos alemães! A saída para o impasse actual, como tenho argumentado repetidamente, é sentar todos à mesa e pôr todos a fazer contas de subtrair, tanto os credores como os devedores. E, depois sim, reforçar (e fazer cumprir) novas regras, enviando o federalismo para o eleitorado. Isso sim, seria liderança democrática.

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