16 fevereiro 2011

a actualidade do Salazarismo

Salazar permanece, na minha opinião, o único intelectual ou político português da modernidade com um pensamento político original, racional, coerente e realista. Ele possuía uma teoria firme sobre a sociedade portuguesa, e as formas da sua organização social, política e económica - uma teoria realista porque era baseada no estudo e observação das características culturais dos portugueses (entre as quais ele também destacava a sua irreformável falta de julgamento ou sentido de justiça).

Salazar tinha vivido os conflitos ideológicos entre o liberalismo e o socialismo e a ruína a que eles tinham conduzido. Não apenas ruína económica, mas também ruína institucional e também nessa altura a da justiça era a principal. Para caracterizar a situação desta instituição ele referia que nos tempos da República metade dos portugueses estavam ou já tinham estado na prisão, embora na esmagadora maioria dos casos não soubessem porquê.

Salazar rejeitava quer o liberalismo quer o socialismo. E também a democracia de sufrágio universal. Ele não acreditava que da liberdade individual irrestrita resultasse uma ordem social espontânea entre os portugueses, como pretende o liberalismo. E tinha razão. Observe-se uma organização portuguesa em que o chefe entrega o seu funcionamento à livre iniciativa dos seus subordinados, esperando que cada um deles defina objectivos para a sua actividade, as tarefas a executar e depois as execute. Embora existam excepções (Portugal é um país de cultura excepcionalista, e daí derivam alguns dos seus maiores problemas), aquilo que cada subordinado vai fazer é não fazer nada, ficando à espera de ser mandado pelo chefe. Ele fica à espera de ser governado, que lhe indiquem o caminho a seguir e os fins a prosseguir. Caso contrário, ele não faz nada. E, se, por acaso, fizer, vai, quase de certeza, saír asneira - uma asneira que não tem nada que ver com os objectivos ou os fins da organização.

O liberalismo em Portugal, à maneira anglo-saxónica, não funciona, não leva cada homem a prosseguir os fins que se propõe na vida. Não. Deixa todos quietos a olharem uns para os outros, sem saberem o que fazer, e em breve estarão todos voltados uns contra os outros dando razão ao ditado popular de que "casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão". Ao contrário da célebre afirmação atribuída ao imperador romano, os portugueses estão constantemente à espera de serem governados e de alguém que os governe.

Também o socialismo não era adequado à cultura portuguesa, pensava Salazar. Comodistas como são, os portugueses acabariam todos a viver à custa do Estado, dizia ele, e isso seria o caminho certo para a ruína financeira do país. Também aqui ele estava certo. Basta olhar para a realidade actual do país.

Nem a democracia de sufrágio universal o seduzia, pois, segundo ele, não era possível encontrar dois portugueses com a mesma opinião sobre o mesmo assunto, e a democracia funciona por consensos. Entre dois portugueses, as opiniões diferem sempre, nem que seja por um pequeno detalhe, que rapidamente é transformado numa diferença importante (uma consequência do personalismo católico, e do seu excepcionalismo - a opinião de cada um sobre qualquer assunto é única e exclusiva, não existe outra igual).

Ao Estado, segundo Salazar, competia uma função importante, que é a de organizar a sociedade. Os portugueses não se sabem organizar (em parte, porque nunca se entendem, são incapazes de chegar a consensos) e a organização tem que ser ditada de cima. Nesta função, compete ao Estado definir as instituições e as regras do jogo - um jogo que deve ser essencialmente entre privados (indivíduos, empresas, corporações, igrejas) -, e fazer cumprir estritamente essas regras, e depois retirar-se para a posição de árbitro entre os diferentes interesses em confronto.

Levar o Estado a intervir directamente na economia ou na vida social só em última instância, em situação de emergência ou com carácter supletivo ou subsidiário. Nunca como norma, porque um jogador não pode nunca ser um bom árbitro.

Mas que tipo de organização social e económica devia Salazar escolher, qual aquela que melhor se adaptava à cultura dos portugueses. Ouçamo-lo a este propósito:

"Que tipo [de organização] então preferir? Nós estávamos empenhados em encontrar uma fórmula que respondesse às seguintes condições:
a) A organização deveria aliviar o hipertrofiado e monstruoso Estado Moderno, desembaraçando-o de algumas das suas funções, serviços e despesas e defendendo só por esse facto a liberdade individual e as economias privadas;
b) A organização deveria ser decalcada, com prejuízo embora da sua pureza teórica e simetria, sobre a vida real do homem na família, na profissão, na sociedade; e sendo assim, aproveitar o mais possível as formas conhecidas e espontâneas de organização a integrar em plano de conjunto;
c) A organização não deveria dissociar o económico do social, pela razão fundamental de que todos os que de qualquer modo trabalham são solidários na produção e é da produção que todos devem viver;
d) A organização deveria não perder de vista as realidades supra-individuais e que, portanto, só é verdadeiramente útil se conseguir satisfazer os legítimos interesses privados e ao mesmo tempo promover o interesse colectivo.
E foi por estas razões que pretendemos estabelecer entre os vários tipos de organização e de corporativismo a organização corporativa portuguesa"
(Salazar, op. cit., pp. 361-2)

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