A realidade portuguesa dos anos 80, aqui relatada pelo PA, evoca em mim vagas recordações. Em 1986, quando regressámos, eu tinha acabado de fazer oito anos de idade. Como era habitual nessa altura, a criançada passava os Verões em São Pedro do Estoril, na casa de férias dos avós maternos. O pai não tinha direito a sol. Ficava no Canadá a ganhar dinheirinho.
Desses Verões em Portugal, guardo algumas imagens. A primeira: o caos à chegada no Aeroporto de Lisboa. Um amontoado de gente, a desorganização total, a permanente névoa de fumo no ar. O oposto daquilo que, então, era a norma no civilizado Aeroporto de Mirabel em Montreal no Canadá, de onde descolavam os voos rumo a Portugal, que, frequentemente, ainda faziam escala em Ponta Delgada nos Açores. Recordo-me, sobretudo, de uma vez que vim sózinho do Canadá para Portugal e em que à chegada, após sair da zona das bagagens, mesmo de mão dada a uma bonita funcionária da ANA, me vi desesperado para, no meio daquela desordenada multidão e do alto do meu metro e pouco de altura, encontrar a serena figura do meu avô João. A segunda recordação que guardo desses tempos era a tradicional visita ao centro de Lisboa, a consulta no Dr. Rosa Paixão - a minha avó só confiava no velho Rosa Paixão -, a vacina contra sei lá o quê e a compra das malditas sandálias - que eu e o meu irmão detestávamos -, antes de, enfim, nos escapulirmos para o sossego de São Pedro do Estoril. Em suma, eu detestava Lisboa. Pelos motivos que lá nos levavam. E, também, por outra coisa que, então, me chocava em Lisboa: os passeios sujos. A bosta de cão e os zigue-zagues para não pisar o cócó no chão. Aliás, essa mania de olhar para o chão, enquanto passeio na via pública, ficou-me até hoje! Mas, enfim, o que, na altura, interessava era chegar rapidamente a São Pedro. Aí, sim, eram tempos bem passados.
Mais tarde, nesse distante ano de 1986, depois do Verão e regressados de vez, assentámos na cidade do Porto. Então, sim, comecei a sentir a realidade portuguesa mais de perto. Primeiro choque: o frio dentro de casa. No Canadá, vinte graus negativos lá fora, não se sentia frio. Em Portugal, só deixei de sofrer desse flagelo há uns poucos anos e, porventura, serei ainda um afortunado. Segundo choque: a chico-espertice. No Canadá, havia regras. As pessoas eram respeitadas. As crianças também. As filas, por exemplo, não eram furadas. Aqui não; havia sempre quem se metesse à frente dos outros. E sempre com uma qualquer razão. Terceiro choque: a escassez de recursos. E, nesse aspecto, a TV portuguesa era disso paradigmática. No Canadá, tínhamos acesso a dezenas de canais, nos mais diversos idiomas e nos mais variados estilos. Consta que, já nesse tempo de menino, os meus programas preferidos eram os noticiários. E, de seguida, os filmes - os Star Wars, os Superman, outros - que lá já passavam na TV e que cá nem sequer tinham estreado no cinema. Quanto aos noticiários, coisas como a RTP-N ou a SIC Notícias, só os tivemos muito recentemente. E em relação aos desenhos animados, estando eu habituado a ver programas como o He-Man, o Scooby-Doo ou os Transformers, o que vim encontrar em Portugal foi verdadeiramente deprimente. Aos meus olhos, a única coisa boa na TV portuguesa no final dos anos 80 era o futebol - uma novidade para mim -, o "Domingo Desportivo" e o Futebol Clube do Porto, em particular! Enfim, como a qualquer outro garoto da altura, bastava-me o génio do Paulo Futre para fintar a estranheza do sítio. Hoje, mais de vinte anos depois, sinto-me português de coração, mas ainda canadiano na reflexão.
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