A propósito das notícias deste fim de semana, relativas à abertura de um pedido formal de ajuda por parte da Irlanda, quer parecer-me que a coisa está longe de estar concretizada. E que, ao contrário do que sucedeu com a Grécia há meses, desta feita, as negociações serão muito prolongadas e muito difíceis. Por uma simples razão: salta à vista que os irlandeses, oposição política e população em geral, estão contra a ideia de perder a sua independência orçamental, nomeadamente o controlo sobre a sua política fiscal. E creio que até o primeiro ministro, Brian Cowen, não está nada certo daquilo que se prepara para negociar. Aliás, não ficaria surpreendido se o Governo irlandês caisse nos próximos dias ou nas próximas semanas sem acordo firmado.
Vejamos bem as coisas: a economia irlandesa tem fundamentos sólidos. Ao contrário do que por aí se tenta vender, o tigre celta não foi um produto exclusivo de uma bolha imobiliária. Pelo contrário, nos cinco anos anteriores a 2008, antes da crise, a Irlanda cresceu a 6% ao ano em termos reais (depois de ajustado o crescimento à inflação). E não foi um crescimento qualquer. Foi o crescimento económico que todos agora querem ter: suportado nas exportações, que representando quase 80% do PIB e excedendo as importações, geraram, ano após ano, avultados superávites comerciais. Mais, a economia irlandesa registou nesse período outra invulgar singularidade: o consumo privado (famílias/empresas) e o consumo público (Estado) quedaram-se pelos 50% e 15% do PIB, respectivamente, bem abaixo do que hoje se regista por norma no mundo ocidental - Portugal incluído. Ou seja, houve aforro. Não foi, assim, surpresa que, antes do início da crise, a Irlanda registasse um dos mais altos PIB per capita da Europa - cerca de três vezes o português - e, portanto, não foi surpresa que essa riqueza, em parte, tenha sido alocada ao sector imobiliário.
Porém, e é aqui que reside a dificuldade do momento, depois de ter aderido ao primeiro pacote de austeridade, de forma voluntária e em grande concertação social - a Irlanda foi mesmo o primeiro país a reduzir os salários da função pública -, agora, os irlandeses não dão mostras de querem vergar perante um monte de problemas que, em boa verdade, está confinado à banca irlandesa e à má supervisão que as entidades bancárias locais terão realizado nas última décadas. Por isso, será muito difícil convencer a Irlanda a abdicar de tantas coisas, nomeadamente o controlo sobre os seus impostos, a fim de salvar um problema para o qual a maioria das pessoas não estão sensibilizadas. Em suma, salta à vista que, certamente na Irlanda, não existe europeísmo que permita sonhar com qualquer União Política, sem a qual este projecto euro acabará por falhar.
A intransigência, de ambas as partes, provavelmente, tornará os obstáculos intransponíveis. Seria, pois, preferível que, em vez de contas de adicionar, as partes se encontrassem para fazer contas de subtrair. Ou seja, em vez de se forçar a Irlanda a aumentar o seu passivo, por contrapartida de um aumento do activo dos credores internacionais, aquilo que se deveria estar a fazer era encontrar uma forma de contribuir para que ambas as partes conseguissem reduzir os seus passivos e os seus activos, respectivamente. Neste momento, não é altura para tentar ganhar. É altura para tentar não perder por muitos. Por outras palavras, se os europeus e seus credores tentassem, no enquadramento do euro, estabelecer as bases que regulassem um perdão de dívida para com aqueles que, manifestamente, não têm capacidade para liquidar essas mesmas dívidas, todos perderiam um pouco, mas ninguém perderia tudo. Pelo contrário, na situação actual, em que todos estão a tentar esticar a corda para o seu lado, a corda acabará por rebentar. Infelizmente, estou hoje convencido que é uma questão de (pouco) tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário