Num dia em que o Departamento do Tesouro norte-americano voltou a emitir dívida, a dois anos, colocando no mercado quase 40 mil milhões de dólares à mais baixa taxa de sempre (0,5% ao ano), os mercados de acções cairam com alguma intensidade. A aversão ao risco, aferida pela forma como os investidores engoliram a emissão de dívida norte-americana, foi desencadeada por novos dados relativos ao mercado imobiliário que, depois da expiração dos subsídios federais atribuídos pela administração Obama, evidenciaram uma forte redução das vendas (-27% em Julho, comparado com as vendas de Junho, a maior queda percentual em cadeia desde que há dados). Ou seja, foi um dias de recordes.
A flutuação nas vendas de imóveis nos Estados Unidos é extraordinária e resulta da forma como se estruturam os créditos à habitação. Na América, um devedor, se o valor de mercado do imóvel for inferior ao valor em dívida, antes de entrar em incumprimento, pode entregar a casa ao banco e livrar-se do seu passivo bancário. Pelo contrário, em Portugal isso não é permitido. Ou seja, cá, o devedor, entregando o imóvel ao banco que depois o leiloa pelo preço que for, pode muito bem acabar sem imóvel e sem perdão de dívida (pelo menos, de parte desta).
Confesso que não entendo esta protecção aos bancos, pois cabe a estes efectuarem uma correcta análise de risco. Ora, se, porventura, não o fazem não deveriam ser beneficiados por isso. E no caso presente, é a única razão que eu encontro para justificar a ausência de uma correcção significativa dos preços em Portugal, pois é essa mesma protecção, concedida aos bancos, que impede a aproximação dos preços de mercado aos preços de equilíbrio (que, na minha opinião, tendo em conta o rendimento anual dos agregados familiares portugueses, seriam 20 a 25% inferiores aos actuais).
Ou seja, o sistema norte-americano é melhor, pelo facto de os preços serem mais próximos da realidade. Assim, o volume de transacções é muito maior, permitindo que o estoque de imóveis seja mais facilmente absorvido e que próprio sector da construção, muito importante no conjunto da economia, recupere de forma mais célere. Ao mesmo tempo, esta maior dinâmica tem outra grande vantagem: liberta as famílias e as empresas de custos financeiros, associados à amortização dos empréstimos pendentes, que, em muitas circunstâncias, se tornam incomportáveis. Deste modo, ao desonerar as famílias e as empresas, permite-se a realocação de capital em domínios mais urgentes ou mais proveitosos, gerando um infindável número de externalidades positivas.
Enfim, o mercado imobiliário norte-americano está agora a sofrer, porém, a generalidade daqueles que devolveram a casa aos bancos fizeram-no porque, racionalmente, devia fazer sentido. É, pois, natural que estejam hoje relativamente melhor do que antes. E se não estão, só têm a si próprios para se culparem. Em simultâneo, começam a surgir oportunidades fantásticas para aqueles que têm disponibilidade para investir. Sobretudo tendo como perspectiva a elevada probabilidade de a Reserva Federal intensificar a monetização da sua dívida - como fará se a coisa realmente der para o torto -, sendo que, a inflação daí resultante conduzirá os investidores ao único activo que, em câmbios livres, oferecerá algum refúgio: à propriedade, agrícola e imobiliária. Por fim, resta saber como se resolverá esta dicotomia entre uma América potencialmente inflacionista e uma Europa firmemente deflacionista. Talvez, a favor da América, para mal do valor real das reformas dos pensionistas europeus.
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