O Diário Económico chama hoje a atenção para uma das mais aguardadas novidades legislativas do ano: o pagamento de juros de mora, por parte do Estado, às entidades privadas a quem os organismos públicos devem dinheiro.
Num Estado de direito tem de se exigir à Administração Pública as mesmas regras que esta exige aos demais no sector privado. Ora, em Portugal, os atrasos de pagamento do Estado e das empresas públicas são recorrentes e têm decorrido num regime de total impunidade, em comparação com o tratamento leonino que as Finanças têm em relação a contribuintes em mora. Em Fevereiro passado, foi aprovada uma lei que, a partir de Setembro, obrigará o sector público a honrar os seus compromissos financeiros dentro dos prazos normais, ou seja, até 60 dias (de acordo com as Finanças, o prazo médio de pagamento no Estado é de 80 dias). Na altura, a medida foi apresentada, com alguma fanfarronice, como uma medida de "estímulo orçamental", quando, na verdade, corresponde apenas à reposição de alguma moralidade na vida pública portuguesa.
O problema é que, entretanto, estamos quase em Setembro e ninguém se atreve a arriscar o valor que o Estado poderá ter de pagar ao abrigo da nova lei. Pior ainda, à boa maneira portuguesa, ainda se discute se a lei terá efeito retroactivo, sobre as dívidas pendentes, ou se é apenas para cumprir nos novos contratos (já agora, assinados desde Fevereiro ou só a partir de Setembro?!?). Alheio a tudo isto está, aparentemente, o Ministério das Finanças que, citado pelo DE, afirma não saber quanto pagará em juros de mora e que nem tem nada que saber! Mas, de acordo com o mesmo jornal, só os hospitais públicos devem 850 milhões de euros a fornecedores. E a administração local tem uma dívida estimada de outro tanto às empresas de construção. Em conjunto, representa um valor equivalente a metade da consolidação orçamental ambicionada para este ano. Ora, regressando ao último relatório de execução orçamental da Direcção Geral do Orçamento - que só agora foi descoberto pela generalidade das cabecinhas pensadoras deste país -, não há evidência de que a dívida do Sistema Nacional de Saúde e da administração local tenha sido amortizada neste primeiro semestre do ano. Em ambos os casos, houve até uma melhoria da sua situação orçamental face a igual período do ano passado, indicando que a dívida pendente não foi paga e que, provavelmente - assumindo que os velhos hábitos não foram reformados - até terá aumentado.
Enfim, oxalá eu esteja enganado na extrapolação dos números, mas a evidência factual parece irrefutável. Ou seja, a liderança deste país continua a não primar pelo exemplo, constituindo incentivo para que todos os outros façam tábua rasa das regras de boa convivência. O exemplo tem de vir de cima e tem de começar com coisas como esta, que para alguns políticos poderão ser "comezinhas", mas que são pequenos passos essenciais rumo àquilo que devia ser a democracia neste país.
Ps: Já agora, dado que, nos últimos dias, tanta gente se dedicou à leitura do relatório da Direcção Geral do Orçamento, conviria que alguém perguntasse ao Dr. Jaime Gama por que é que a Assembleia da República figura na lista de "organismos públicos em incumprimento na prestação de informação" (página 12)...
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