25 maio 2010

porque precisa o liberalismo do conservadorismo

Este texto de Mônica Magalhães sobre o direito de adopção por parte de casais homossexuais enferma dos vícios habitualmente atribuídos a um certo relativismo liberal do qual o liberalismo deve, a meu ver e salvo melhor opinião, guardar saudável distância. Acresce que o texto é publicado no site da Ordem Livre, associação liberal brasileira ligada ao Cato Institute, o que tem um significado que deve ser tido em conta.

Antes de analisarmos porque razão o texto de Mônica Magalhães não defende um ponto de vista liberal, proponho que consideremos os seus argumentos sobre o reconhecimento jurídico do direito à adopção por parte de casais constituídos por pessoas do mesmo sexo. Eles são construídos sobre uma falsa premissa: a de que se trata de um direito do casal, e que o seu reconhecimento deve constituir uma prerrogativa da liberdade individual e do princípio da igualdade perante a lei. Não se trata, porém, nem uma coisa, nem outra. Antes de qualquer reclamação de direitos de putativos pais adoptivos, quaisquer que eles sejam, estão os direitos das crianças a serem adoptadas. A avaliação jurídica das reclamações dos pretensos sujeitos do direito à adopção tem de ser precedida pela avaliação jurídica dos direitos das crianças que carecem de adopção. E o primeiro direito de qualquer criança é o de poder crescer e ser educada numa família que não lhe sugira (não digo imponha) quaisquer opções de raiz, onde possa aprender e desenvolver livremente as suas capacidades e escolhas individuais, tendo em vista a formação de uma personalidade autónoma e livre. Esse processo de aprendizagem e de crescimento forma-se naturalmente numa família convencional, na qual não se verifica qualquer condicionamento à livre afirmação da personalidade, e não numa família baseada numa opção sexual de origem, à qual todos têm direito, mas que poderá inegavelmente orientar a formação da personalidade da criança. Isto não quer dizer que os homossexuais não possam, e não devam até, ter acesso à adopção, como quaisquer indivíduos de boa formação moral e ética, atendido o direito da criança a ter um ambiente familiar saudável, o que deve ser observado e ponderado, caso a caso, pelas instituições sociais responsáveis, como deve sempre ser feito em qualquer processo de adopção. Mas isto não significa necessariamente o direito ao reconhecimento da adopção por parte dos casais homossexuais, já que estamos aqui perante uma outra realidade: a do reconhecimento de um direito já não a indivíduos concretos em razão da sua capacidade para o seu exercício, mas do reconhecimento de um direito a uma instituição familiar que é uma realidade que não se esgota nos indivíduos que a compõem. Em conclusão, a livre opção de dois adultos do mesmo sexo de firmarem um contrato de casamento, não é fonte geradora de direitos sobre terceiros, concretamente sobre crianças.

Agora, uma palavra sobre o texto da Mônica no que se refere aos valores que nos transmite. Eles não são, a meu ver, os do Liberalismo Clássico. Este assenta em pressupostos básicos que o seu texto contradita, desde logo, o de que uma sociedade livre se baseia em instituições tradicionais, isto é, que são constituídas e apuradas, ao longo do tempo, por actos dos indivíduos que vão burilando as regras de conduta social mais adequadas aos seus interesses e necessidades. É por essa razão que Hayek adverte para os perigos do uso imoderado da razão (que sempre nos pode conduzir a um destino e ao seu exacto oposto...), nomeadamente nas suas aplicações de construtivismo ou de engenharia social. Uma sociedade livre não cria instituições e direitos por decreto, mas reconhece-os e protege-os na lei.

São estas razões, entre outras, que me levam a acreditar cada vez mais na imperiosa necessidade de entrosarmos o liberalismo com doses substanciais de realismo conservador, que sempre preza em proporções generosas as instituições e tradições sociais, ao invés do que algum dito liberalismo costuma fazer.

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