Primeira, a pessoa humana. O socialismo põe o ênfase no colectivo (sociedade ou, como a Igreja prefere designá-la, comunidade) e o colectivo sobrepõe-se ao homem. O catolicismo e o liberalismo colocam o ênfase no homem - o homem sobrepõe-se ao colectivo. É a comunidade que está ao serviço do homem, e não o contrário. Existe, porém, uma diferença. O homem de que fala o liberalismo é um homem abstracto, um homem despido de qualquer personalidade, um homem que é essencialmente igual a todos os outros. Para o catolicismo só existem homens concretos, cada um dotado de características únicas e irrepetíveis, que o tornam diferente de todos os outros homens.
Segunda, a comunidade (ou sociedade). O liberalismo e o catolicismo favorecem as comunidades de base, ou espontâneas, aquelas que são livremente estabelecidas pelos homens, sem a intervenção do poder coercivo. Estão neste caso, e em primeiro lugar, a família, seguindo-se as sociedades intermédias, como a empresa, a associação, a igreja, a cooperativa, a freguesia, e só em último lugar a nação (e, mais distantemente ainda, a europa e o mundo). Trata-se de uma visão bottom-up da sociedade. Pelo contrário, o socialismo põe o ênfase na grande comunidade e nas suas instituições (v.g., a nação e o Estado), pretendendo organizar a sociedade de cima para baixo, numa estratégia habitualmente designada por top-down. O Estado é mais importante que as instituições intermédias da sociedade e estas mais importantes do que a família.
Terceira, os processos sociais. O liberalismo põe o ênfase no processo do mercado que, quando praticado em larga escala (v.g., país, mundo) se torna um processo impessoal. Este é um processo em que, embora as pessoas participem nele, os seus resultados não podem ser atribuídos a nenhuma pessoa em particular. O socialismo põe ênfase no Estado democrático, e a democracia, quando praticada em larga escala (v.g., país) torna-se também um processo impessoal. A impessoalidade é a fonte da irresponsabilidade. Por isso, o catolicismo prefere ver o mercado e a democracia como processos locais, onde os resultados de um e de outro podem ser atribuíveis a pessoas concretas que podem ser reponsabilizadas por eles. O catolicismo possui uma preferência pelos processos sociais pessoais, aqueles que ocorrem nos espaços e nas instituições onde todos se conhecem, como a família, o grupo de amigos, a empresa, a paróquia, a freguesia, etc.
Quarta, liberdade e autoridade. O liberalismo contesta todas as formas de autoridade que estejam munidas de poder coercivo e só relutantemente as aceita como soluções de última instância (v.g., Estado mínimo) e, na sua versão limite do anarquismo, não aceita mesmo nenhuma. O socialismo procura realizar no Estado Democrático a síntese da autoridade (Estado) com a liberdade (Democracia). Para o socialismo, a liberdade é uma liberdade primariamente política, a capacidade para participar nos processos de decisão colectivos. Para o liberalismo, a liberdade é a capacidade para cada um fazer aquilo que quer, com o mínimo de constrangimentos. Para o catolicismo, a liberdade está limitada pela autoridade, e pratica-se, em primeiro lugar, na família. É na família que um homem aprende a liberdade sob a autoridade suprema e o poder coercivo do pai. O catolicismo fornece o código moral que, separando o bem do mal, auxilia o pai a educar o seu filho como um homem livre. Para o catolicismo, então, a liberdade consiste em fazer o bem, e a marca distintiva de um homem livre é ser bem-educado. Para o socialismo, ao invés, a marca distintiva de um homem livre é ser um democrata, e para o liberalismo essa marca é ser um individualista. Posto de outra maneira, para o catolicismo um homem deve a sua liberdade principalmente à sua família, para o socialismo deve-a à sociedade e para o liberalismo deve-a a si próprio.
É chegado então o momento de estabelecer como é que estas diferenças se traduzem na prática, como é que as pessoas se comportam e qual é o aspecto geral de um país imaginário vivendo alternativamente sob a doutrina do catolicismo, do socialismo e do liberalismo.
Primeiro, as pessoas. No país do catolicismo a marca distintiva dos cidadãos é a sua boa-educação, enquanto no país liberal é o seu individualismo e no país socialista o seu apego à democracia. Por outras palavras, o cidadão-modelo é, no primeiro país, o homem bem educado, no segundo o individualista e no terceiro o democrata.
Segundo, a comunidade e as instituições. No país socialista a comunidade mais importante é o país e a instituição mais importante é o Estado. No país católico a comunidade mais importante é a família e essa é também a instituição mais importante. No país liberal a comunidade mais importante é o país e a instituição mais importante é a família.
Terceiro, relações homem-comunidade. Num país liberal um homem não deve nada à comunidade. Num país socialista, o homem deve tudo à comunidade. Num país católico, um homem deve muito à comunidade, mas a comunidade deve-lhe ainda mais a ele.
Quarto, dimensão das instituições. O país católico privilegia as pequenas instituições e, visto de cima, é um país com uma imensidão de microcosmos sociais (v.g., famílias, paróquias, etc), económicos (v.g., empresas familiares) e políticos (freguesias, municípios). No país socialista, a instituição que sobressai, acima de todas as outras, é o Estado que é ao mesmo tempo a maior instituição política, a maior instituição económica e a maior instituição social, todas as outras sendo irrelevantes em comparação com ele. O país liberal é um misto dos anteriores, sobressaindo grandes instituições (v.g., grandes empresas) ao lado de outras de média e pequena dimensão.
Quinto, a economia. No país liberal a economia é baseada na iniciativa e na propriedade privada, o processo de afectação dos recursos é o mercado e este deve ter uma amplitude tão vasta quanto possível (v.g., país, mundo). No país socialista, a economia é baseada na iniciativa e na propriedade pública, e é o Estado que comanda à escala nacional a afectação dos recursos. No país católico observa-se um misto destas situações. A economia é baseada na iniciativa e na propriedade privada e o mercado também serve como processo de afectação dos recursos, mas somente até à fronteira da comunidade. A partir daí o mercado não é de confiar e a autoridade política (Junta de Freguesia, Câmara Municipal, Estado Central) deve ser chamada para julgar os méritos da situação, a qual deve ter em vista a protecção da comunidade contra a impessoalidade do mercado.
Sexto, a política. No país liberal ninguém gosta da política, ninguém quer ver a política em lugar nenhum da sociedade e se a política tiver que estar presente, que seja no grau mínimo possível. No país socialista, tudo é política, todos gostam da política, a política mete-se em todas as instituições, em todos os processos e em todos os interstícios da sociedade. O país católico também não gosta da política, mas não a rejeita como o país liberal, aceitando-a com o papel subsidiário de ser chamada a resolver os problemas lá onde todos os processos e todas as outras instituições espontâneas falharam. A política desempenha o papel de último recurso, de juiz ou árbitro.
Em suma:
O país liberal é um país habitado por individualistas; não valoriza a comunidade; a comunidade deve tudo ao homem e o homem não deve nada à comunidade; possui instituições de todos os tamanhos, sobretudo privadas; assenta a sua economia no mercado, cujas leis prevalecem sobre a comunidade e, no limite, podem destruir a comunidade; neste país, os cidadãos são profundamente anti-políticos. É um país de indivíduos.
O país socialista é um país habitado por democratas; valoriza a grande comunidade (país) e a sua instituição (Estado) e desvaloriza todas as outras, tanto mais quanto mais pequenas elas forem, até à família; o homem deve tudo à comunidade e a comunidade não deve nada ao homem; é um país de grandes instituições, sobretudo públicas; a sua economia é conduzida pelo Estado; é o país da política, tudo é política e a política mete-se em tudo. É um país de servos.
O país católico é um país habitado por pessoas bem-educadas; valoriza a pequena comunidade a começar pela família e seguindo por ordem decrescente até ao país (Estado); o homem deve à comunidade, mas a comunidade também deve ao homem, sendo o saldo líquido a favor deste último; é um país de pequenas instituições, sobretudo privadas; a sua economia é conduzida pelo mercado e só subsidiariamente pelo Estado - e, aqui, a intervenção do Estado deve começar pelas unidades políticas mais pequenas (Freguesia, Município) e só em última instância deve recorrer à maior (Governo Central); é um país em que as pessoas não gostam da política, e em que só estão dispostas a aceitá-la como solução de último recurso. É um país de pessoas.
Sem comentários:
Enviar um comentário