15 março 2010

Ócio?


O Jornal de Negócios publicou hoje uma extensíssima entrevista com o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. A entrevista, altamente politizada, tem no capítulo dedicado ao subsídio de desemprego o seu trecho mais interessante. Assim, neste domínio, o ministro defende o seguinte "Actualmente, um beneficiário do subsídio de desemprego pode recusar uma oferta de trabalho nos primeiros seis meses desde que o salário não seja, em pelo menos 25%, superior ao subsídio de desemprego. Entendemos que devemos reduzir este limiar para 10%".

Ora, confesso que não conhecia aquela disposição adicional. E, naturalmente, a minha reacção é de estupefacção, concordando, pois, com o ministro: o limiar deve ser reduzido, aliás, deve ser eliminado. Contudo, e é aí que, na minha opinião, o ministro falha redondamente, a ideia que fica desta alteração é a de que em Portugal, e no mundo ocidental, há empregos de sobra e que os desempregados são bombardeados com inúmeras propostas de emprego, não querendo pois trabalhar! Infelizmente, creio que não é isso que acontece. De acordo com um estudo do Congressional Budget Office (CBO) - nos Estados Unidos, o equivalente à nossa Direcção Geral do Orçamento -, publicado em Janeiro deste ano, nos últimos trinta anos, a percentagem de desempregados que constituem desemprego de longa duração duplicou, de pouco mais de 30% para mais de 60%. Por outras palavras, 60% dos desempregados de hoje têm muita dificuldade em regressar ao mercado de trabalho e, entre estes, muitos não o conseguem de todo.

Assim, o mesmo estudo conclui que entre as medidas que mais poderão contribuir para o crescimento da economia norte-americana está a prorrogação do subsídio de desemprego, até Março de 2011, para aqueles que agora esgotam o prazo a que têm direito. O objectivo é permitir que os desempregados de longa duração possam ter mais tempo, a fim de encontrar novos empregos, continuando, entretanto, a contribuir para o consumo agregado da economia. De acordo, com o CBO, o efeito multiplicador associada à medida será, em média, de 130% do PIB até 2015. Ou seja, cada dólar gasto pelo Estado federal terá um retorno de 1,3 dólares. A título de curiosidade, refira-se que foi com base neste estudo técnico que os legisladores norte-americanos (incluindo os Republicanos) acabam de aprovar a extensão dos ditos benefícios até ao início do próximo ano. E, ainda, que, também, foi este mesmo estudo que "enterrou" o programa de obras públicas de Obama, após concluir que o seu efeito multiplicador no PIB seria em média negativo.

Regressando a Portugal, a realidade do desemprego é idêntica à norte-americana. Porventura, será ainda pior, em termos de desemprego de longa duração. Por isso, custa-me observar que os sacríficios pedidos aos privilegiados da Função Pública e a todos aqueles directa ou indirectamente ligados à máquina do Estado sejam mínimos, carregando-se depois naqueles que, coitados, não têm qualquer rede de apoio. É o caso dos desempregados de longa duração - quase todos funcionários do sector privado - a quem o Estado se prepara para reduzir o coeficiente de 65% no subsídio de desemprego, a par de outras alterações a fim de "desincentivar o ócio". Enfim, além de, economicamente, ineficiente, as medidas anunciadas pelo ministro não atacam o problema de fundo: é que, de um modo geral, o ócio e o esbanjamento não estão no sector privado e muito menos entre a generalidade dos desempregados.

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