10 março 2010

o equilíbrio protestante (ou moderno)


Um mercado está em equilíbrio quando a oferta iguala a procura. O preço que faz igualar a oferta à procura é chamado o preço de equilíbrio e o volume de transacções a esse preço chama-se a quantidade de equilíbrio. O equilíbrio refere-se agora a um colectivo, à massa dos compradores e dos vendedores (actuais ou potenciais) de um certo bem, e portanto, a toda a sociedade. Esta é uma concepção abstracta de equilíbrio, que se refere a uma massa anónima de pessoas, e não a uma pessoa qualquer em particular.

Já se vê que, na concepção protestante (ou moderna ou dos economistas), a sociedade, através dos seus multiplos mercados, pode estar em equilíbrio, e ao mesmo tempo as pessoas estarem muito desequilibradas. Na realidade, todos os dias desde que dura a crise financeira, todos os mercados (de trabalho, de bens e serviços, financeiros, etc.) fecham em equilíbrio, mas o que não falta são pessoas desequilibradas - como o Joaquim exemplifica aqui -, ou porque perderam o emprego, ou porque têm dívidas que não conseguem pagar. Esta concepção de equilíbrio não é apenas abstracta, é também exclusiva. Quem não tiver dinheiro para comprar os bens ao preço do mercado, e quem não conseguir produzi-los a um custo unitário inferior ou igual ao preço do mercado, fica excluído e não conta.

Como é que se passou da ideia católica de equilíbrio, que é uma ideia pessoalizada e concreta (você pode fazer isto, aquilo e aqueloutro, desde que seja dentro dos limites x, y, e z), e uma ideia inclusiva (todos os homens podem chegar ao equilíbrio), para a ideia moderna ou protestante de equilíbrio, que é impessoal e abstracta, e também exclusiva?

Para responder, remeto em primeiro lugar para o meu post anterior. O diálogo que aí figurei é claramente um diálogo entre um jovem adolescente e um homem maduro ( ou mulher), em que o homem está a indicar ao jovem o caminho do equilíbrio. E o que ele diz ao rapaz é sabedoria resultante da sua própria experiência de vida: "Olha, se te emborrachares todos os dias ninguém te vai tomar a sério e vais ficar doente; se matares alguém que não seja em legítima defesa, estás feito para o resto da tua vida; se fumares 5 maços por dia, não duras muito; se decidires ser um revolucionário permanente, tens todas as chances de acabar como o Che Guevara; etc.". Quem está a falar ao jovem é um homem munido de autoridade, e de uma autoridade que é baseada na experiência.

Provavelmente é o próprio pai do jovem ou o professor. Mas qualquer um destes homens só tem uma vida. Existe, porém, uma instituição que já conheceu muitas vidas, já anda há mais de dois mil anos a observar o homem e a reflectir sobre ele. É a Igreja Católica. Não existe manancial de experiência humana acumulado em algum lugar, pessoa ou instituição como na tradição da Igreja. Daí a sua autoridade - é uma autoridade baseada na experiência.

É a autoridade, baseada na experiência, que define e indica o equilíbrio, e esta autoridade tem uma mão visível - a do pai, do professor, em última instância, de Deus, através do Papa e da Igreja. O protestantismo não podia aceitar isto, e então o que fez? Substituíu a mão visível da autoridade pessoalizada (pai, professor, Papa), pela mão invisível de um processo impessoal - um processo onde participam milhões de pessoas mas em que ninguém é capaz de determinar o resultado final -, que é o processo do mercado, e declarou que o resultado final era o equilíbrio. A colectividade, que não tem mão, substituiu-se à mão do pai, do professor ou do Papa para indicar onde está o equilíbrio. É a mão invisível do Adam Smith. Escusado seria acrescentar que a autoridade do Estado moderno advém de um processo igualmente impessoal - a democracia praticada à escala da nação.

Mas obviamente que o equilíbrio protestante não é senão uma abstracção, talvez interessante para os intelectuais e os economistas, mas que não interessa nada para a vida de cada homem concreto. Para ver que assim é, basta só ir dizer a um homem que recentemente perdeu o emprego e não consegue sustentar a família, que no país está tudo bem, porque ainda hoje, como acontece todos os dias, todos os mercados fecharam em equilíbrio.

Sem comentários: