23 fevereiro 2010

de borla

O personalismo católico e o individualismo protestante têm consequências económicas que, em termos estatísticos, são geralmente desfavoráveis aos países católicos. Acontece assim nas comparações internacionais dos nível de riqueza material, tal como medido, por exemplo, pelo PIB per capita (ajustado pelas paridades do poder de compra).

Nestas comparações, os países predominantemente protestantes do Norte da Europa e da América do Norte comparam favoravelmente com os países predominantemente católicos do Sul da Europa e da América Latina. Assim, tomando como base 100 o PIB per capita dos EUA (ajustado pelas paridades do poder de compra) em 2007, a Noruega tinha um PIB per capita de 117, a Suíça 89, a Holanda 85, o Canadá 79, o Reino Unido 77, mas a Espanha apenas 69, a Itália 67, Portugal 50, e os números para a América Latina são ainda mais baixos (Chile 30, Argentina 29, Brasil 21).

Porém, estas diferenças de rendimento, que aparentemente seriam diferenças de bem-estar pessoal, são largamente ilusórias e devidas ao individualismo protestante em comparação com o personalismo católico. Ilustro a seguir algumas das instâncias que são fontes destas diferenças, utilizando Portugal em comparação com a Inglaterra ou os EUA.
Em Portugal um jovem da classe média ou alta aos 18 anos vai estudar para a Universidade e os pais pagam-lhe os estudos, nada acrescentando ao PIB. Em Inglaterra, um jovem em idênticas condições trabalha, pelo menos em part-time, para custear os seus estudos. O seu salário acrescenta ao PIB.
Um doente em Portugal vê-se rodeado de todas as atenções e carinhos por parte de familiares, amigos, meros conhecidos e, frequentemente até, desconhecidos. Na realidade, eu suspeito que Portugal é o melhor país do mundo para se estar doente. Um americano também tem acesso a todas essas atenções e carinhos, mas vai ter de recorrer a profissionais que lhe cobram um preço pelo serviço prestado, e que entra no PIB.
Um português típico em aflições financeiras pede dinheiro emprestado a um amigo ou aos pais. Não há juros ou, se há, eles são informais, e não entram no PIB. Não passaria pela cabeça de um americano pedir dinheiro emprestado a um amigo, até porque, regra geral, não encontraria nenhum que lho emprestasse. Recorre ao banco. O banco cobra-lhe um juro, que entra no PIB.
Um jovem casal português com um bebé, que queira jantar a sós um Sábado à noite, pede aos avós da criança, aos amigos ou à cunhada que lhe guarde o bebé, e nada entra no PIB. Um casal americano nas mesmas condições emprega uma baby-sitter a quem paga pelo serviço, o qual entra no PIB.
Um português entra num restaurante, almoça, paga a conta, não deixa nada ao empregado, e vai-se embora. Nada lhe acontece por não dar gorjeta, nem ao PIB. Um americano que faça o mesmo em Nova Iorque tem o empregado a correr atrás dele porta fora a exigir uma gorjeta (tip) de 10% ou 15% da factura, a qual entra no PIB.
A uma dona-de-casa portuguesa falta-lhe salsa para o jantar, bate à porta da vizinha, que prontamente lhe oferece um raminho, e nada entra no PIB. A dona-de-casa americana vai ter de ir comprar salsa ao supermercado, a qual entra no PIB.
O homem português de 40 anos que nunca se habituou a trabalhar vive em casa dos pais e o PIB por ele não mexe. O mesmo homem na América vive num hospício da Salvation Army, servida por profissionais (cozinheiros, enfermeiros, empregados de limpeza, etc.) cujos salários são incluidos no PIB.
Os exemplos poderiam multiplicar-se sem limite. Mas já deu para ver que as diferenças do PIB per capita são largamente ilusórias e não reflectem, necessariamente, diferenças no nível de bem-estar. Aquilo que acontece é que o português tem de borla (e, portanto, não acrescenta ao PIB) aquilo que o inglês e o americano têm de pagar (e, portanto, acrescenta ao PIB). É a diferença entre a pessoalidade do personalismo católico e o anonimato do individualismo protestante.
É claro que se os alemães tivessem feito estes ajustamentos, provavelmente nunca teriam andado a dar dinheiro, via União Europeia, a países como Portugal, a Espanha, a Irlanda, ou mesmo a Grécia. Como bons protestantes, herdeiros do pensamento de Kant, eles julgam que a verdade está nos factos (do PIB). Mas não está. Está nas pessoas.

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