26 janeiro 2010

partir pedra


Um dos aspectos que mais me repugna na imprensa escrita nacional é aquilo que, desde há uns tempos a esta parte, eu passei a chamar de "falta de coragem intelectual". Por outras palavras, o medo que parece existir, dos comentadores e "opinion makers", em avançar com ideias novas ou ideias não convencionais. Com uma ou outra excepção, o que se lê nas rubricas de opinião é pobre e não é original.

Ora, na edição de hoje do Jornal de Negócios surge um artigo de opinião que se destaca dos demais. Trata-se da crónica do professor Avelino de Jesus (director do Instituto Superior de Gestão), um texto intitulado "A vida para além do défice público", no qual o autor sublinha a evolução negativa da taxa de poupança em Portugal, comparado com o que acontece no espaço da OCDE, e a sua influência na deterioração das contas públicas, concluindo que apenas com a inversão dessa trajectória descendente se resolverá o desequilíbrio estrutural do país. De seguida, propõe uma solução convencional: restabelecer a competitividade dos certificados de aforro. E, mais importante ainda, para o debate de ideias, propõe também uma solução menos convencional, que passo a citar: "Por outro lado, haverá que fazer apelo aos sentimentos mais profundos da população. O apego e a confiança que esta tem pela CGD, permitiria que se iniciasse já processo da sua privatização, através da implementação de poupança forçada de uma parte da massa salarial de 2010, a converter em acções do banco". Presumo que a ideia se aplique à Função Pública e que sirva como alternativa à redução dos seus salários...

Enfim, como já tive oportunidade de expôr ao senhor professor, concordo com o diagnóstico - que a consolidação virá do crescimento da poupança (e do investimento privado), não do consumo privado nem do investimento público -, mas que, apesar da originalidade da sua tese, não concordo com a solução. Primeiro, por uma razão conceptual: dada a situação de privilégio em que se encontra o grupo de stakeholders afectados pela medida, não entendo por que razão deverão estes ser positivamente discriminados, concedendo-lhes de graça "stop options" da CGD, face a todos os outros portugueses. Segundo, por uma razão prática: acredito que o objectivo traçado - estimular a poupança - se atinge através de uma política fiscal devidamente direccionada para penalizar o consumo e beneficiar o rendimento. De qualquer forma, o contributo de Avelino de Jesus é meritório; é, assim, a partir pedra, que se estimula o debate!

Sem comentários: