Nos livros de gestão, alguns teóricos argumentam que uma das técnicas - ou tácticas - mais eficazes consiste, simplesmente, em questionar os preconceitos estabelecidos. Ou seja, fazer aquilo que, em geral, é apontado como algo que não se deve fazer. Hoje, enquanto lia o International Herald Tribune - ai que falta faz em Portugal um jornal deste calibre... - deparei-me com dois artigos que, indirectamente, me levaram a questionar os princípios que, em teoria, regem a gestão das finanças públicas. Basicamente, a teoria diz-nos que o défice das contas do Estado são contrabalançados com dívida ou com impostos acrescidos. E que, a prazo, elevados níveis de endividamento não são sustentáveis, conduzindo à deterioração da estrutura macroeconómica do Estado em questão, especialmente quando a gestão da sua divisa deixa de ser uma variável à sua disposição. Porém, aquilo que a evidência dos últimos meses demonstra é o progressivo afastamento, por parte dos Governos ocidentais, dos princípios até aqui considerados como traves mestras do bom senso e da boa gestão orçamental. A generalidade dos comentadores condena-o, contudo, será que os preconceitos macroeconómicos são inabaláveis?
O Herald Tribune de hoje menciona duas histórias curiosas. Na Alemanha, o novo governo atirou a consolidação orçamental para segundo plano, tanto do lado da Despesa - aumentando os subsídios sociais - como também do lado da Receita - anunciando uma redução de impostos. A coisa ganha, de facto, contornos excepcionais se verificarmos que, em 2010, o défice orçamental na Alemanha excederá aquele previsto em Itália! Ao mesmo tempo, numa outra história, li que a reforma fiscal aprovada há cerca de um ano nos EUA permitirá que todas as empresas norte-americanas - as que não tenham sido alvo de intervenção estatal - possam deduzir as perdas de 2008 e 2009 aos lucros passados de 2007, 2006, 2005 e 2004!! Esta medida resultará no reforço do caixa destas empresas em cerca de 35 mil milhões de dólares, insignificante face ao PIB, mas simbólico no alcance real da medida. Em suma, há dinheiro para tudo e ainda bem. Resta saber se não são presentes envenenados!
Enfim, há muito que a sociedade convive relativamente bem com um sector privado viciado em esteróides - nos EUA, por exemplo, a taxa de endividamento de longo prazo das empresas do sector privado face ao PIB gerado por esse mesmo sector privado está estimada em 275%, sendo que em 2007 atingiu 363%! E quanto às famílias, nos últimos anos, utilizando o mesmo jargão de ginásio, habituámo-nos a observar famílias que, alimentadas à base de suplementos proteicos, se endividaram para além dos seus rendimentos disponíveis - foi o caso de Portugal onde, no espaço de dez anos, esse endividamento aumentou cinquenta pontos percentuais. Só falta, portanto, que seja o próprio Estado a tomar umas doses de creatina e, na realidade, começa a parecer esse o destino das contas públicas de algumas das principais economias mundiais. A oficialização desse recurso à farmácia, na Europa, confirmar-se-á com o abandono definitivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E, depois, logo se verá se foi boa ideia desafiar os preconceitos. Eu sinto-me um velho do Restelo: não acredito que aquele seja um bom caminho. Faz lembrar os camaradas do ginásio que entram nessas aventuras. Incham e desincham, enquanto perdem o fígado, o tesão e sabe-se lá mais o quê. Alguns até têm morte súbita.
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